Os desafios da industrialização em África

     África           
  • Luanda     Quinta, 01 Dezembro De 2022    14h31  
Mapa de África
Mapa de África
Divulgação

Luanda – Niamey, a capital do Níger, acolheu de 20 a 25 de Novembro de 2022, uma cimeira extraordinária da União Africana (UA) sobre a industrialização do continente e a diversificação da sua economia como as grandes prioridades da Agenda 2063 da organização pan-africana e dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Por  João Gomes Goncalves

Temas como “a Covid-19, uma nova narrativa no quadro de uma industrialização acelerada”, “o terceiro decênio de desenvolvimento industrial (IDDA III)” e “a industrialização para o desenvolvimento sustentável de África”, entre outros,  alimentaram  os debates do encontro da capital nigerina.

Sob o lema “Industrializar África: Renovar os compromissos para uma industrialização inclusiva e sustentável  e uma diversificação económica”, o evento visou realçar a determinação e renovar o compromisso de África com a industrialização como uma das alavancas estratégicas da realização dos objectivos do crescimento económico e do desenvolvimento do continente berço, conforme enunciados na Agenda 2063 e nos ODS de 2030.

A Agenda 2063 é uma estratégia global “para optimizar a utilização dos recursos de África para o benefício de todos os africanos” e projecta “uma África integrada, próspera e pacífica, impulsionada pelos seus próprios cidadãos e que represente uma força dinâmica na arena global”.

Nessa estratégia, a industrialização é identificada como um dos pilares fundamentais que irá impulsionar a transformação estrutural social e económica do continente, nos próximos 50 anos.

De acordo com os seus organizadores, o encontro continental teve, igualmente, como objectivo mobilizar o impulso político desejado, os recursos, as parcerias e as alianças visando a industrialização, tendo em conta as interdependências-chave e estratégicas entre a industrialização e o Acordo sobre a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).

Em conformidade com uma decisão saída da 30.ª sessão ordinária dos chefes de Estado e de Governos da UA, realizada de 09 a 10 de Fevereiro de 2020, em Addis Abeba (Etiópia), a cimeira de Niamey deveria ter lugar, em Novembro de 2020, mas foi adiada devido à pandemia da Covid-19.

Por essa razão, as repercussões da Covid 19 foram também analisadas, por continuarem a precisar de medidas que visem mudanças profundas nos principais pilares económicos, particularmente nos da industrialização.

Constatou-se que a pandemia teve um duplo efeito na vida económica e social do continente, em particular, e da humanidade em geral, a julgar pelos estragos provocados às economias nacionais mas também pelas oportunidades de inovação oferecidas aos decisores e operadores económicos.

Ou seja, a perturbação das cadeias de aprovisionamento mundiais provocada pela Covid-19 evidenciou a urgência e a importância de estimular a industrialização do continente, porquanto a pandemia expôs abertamente as lacunas das economias africanas em várias frentes.

Para os especialistas, ela constituiu, por exemplo, uma das ameaças mais perigosas a uma adequada operacionalização da ZCLCA dado o seu carácter hostil para os negócios e o comércio, expondo a vulnerabilidade das economias e atrasando significativamente o lançamento da zona de comércio livre africana. 

Ao mesmo tempo, sublinham os mesmos especialistas, a Covid-19 aumentou mais ainda os riscos de perpetuar a vulnerabilidade do comércio e dos negócios do continente à escala mundial, uma vez que a maioria dos países dependem das matérias-primas.

Apesar disso, considera-se que, mesmo estando na origem de uma grave crise económica e sanitária, a doença representa igualmente uma “ocasião inestimável” para o continente reconfigurar o seu cenário de desenvolvimento, priorizando as iniciativas em prol da aceleração da industrialização.

No geral, as abordagens do encontro de Niamey reflectem a vontade de África de querer liderar uma transformação estrutural quanto à exploração dos variados recursos naturais e, ao mesmo tempo, de tirar partido dos actuais progressos tecnológicos, das tendências geológicas a nível continental e mundial, e da emergência dos serviços comerciais.

Estiveram presentes no conclave, além da Comissão da UA e seus órgãos, chefes de Estado e de Governos, ministros africanos da Indústria e Comércio, das Minas e dos Investimentos e outros, responsáveis das instituições  de desenvolvimento, dos quais  os das agências da ONU, chefes dos secretariados das Comunidades Económicas Regionais (CER), instituições regionais e internacionais de financiamento do desenvolvimento.

Economia africana num mundo multipolar

A ordem industrial existente há mais de meio século, segundo a qual África continua a fornecer as matérias-primas e os países industrializados devem produzir bens consumidos em larga escala pelos países mais desenvolvidos está em ruptura num contexto marcado por uma profunda mutação dos equilíbrios demográficos mundiais, pelas mudanças climáticas e pela aceleração do progresso tecnológico.

Projeções da ONU indicam que África conhecerá um crescimento demográfico, podendo no horizonte de 2100 representar cerca de 40  por cento da população mundial (populações da China e Índia juntas) contra os actuais cerca de 17 por cento.

Isso deve-se ao facto de, ao longo da última década, África ter modificado a sua inserção na economia mundial e, nalguns países, o crescimento económico tender a separar-se dos preços mundiais das matérias-primas.

Os fluxos comerciais intensificam-se, enquanto as infra-estruturas das redes desenvolvem-se, os fluxos financeiros aceleram-se e as suas fontes se diversificam, nomeadamente vindos dos países emergentes ou de países de renda média, e as inovações tecnológicas, embora concebidas no exterior, desenvolvem-se.

Como industrializar África (?)

Numa altura em que o crescimento económico de vários países africanos se acelera, a contribuição industrial é incipiente.

As condições de uma tardia industrialização apertaram; a aceleração da globalização da economia no fim do século XX aumentou a concorrência entre as Nações e entre as empresas multinacionais, erguendo muitas barreiras para os novos produtores industriais (necessidade de capitais, domínio tecnológico, capacidades exigidas).

Com isso, a indústria africana, globalmente menos competitiva, tarda a diversificar-se e a impor-se nos mercados nacionais e internacionais.

Na sua maioria, tais economias terciarizaram-se, particularmente no mercado informal, uma trajectória de desenvolvimento que se traduziu numa saída muito lenta da pobreza.

Segundo projecto “The High 5”, no seu artigo intitulado “Para transformar África”, o continente berço está na cauda da cadeia de valor mundial, sendo a sua parte na manufactura mundial apenas calculada em 1,9 por cento.

Esta análise indica que, de uma forma ampla, as economias africanas continuam ainda tributárias dos produtos de base, e que, entre 2011-2013, os produtos manufacturados representavam apenas 18,5 por centro das exportações, enquanto 62  por cento do conjunto das importações eram produtos manufacturados, um desequilíbrio comercial abismal que despoja o continente das suas riquezas.

Nessa perspectiva, a situação é pior nos países onde coexistem constrangimentos estruturais e instabilidade política que impedem qualquer esforço de diversificação da economia pilotado pelo sector privado e, como consequência, a maioria dos países não criou os empregos necessários para absorver o grande número de jovens, forçando centenas de milhares destes a emigrar.

Desta feita, sugere o estudo do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), para libertarem o seu potencial, os países africanos devem lançar um programa audacioso, investindo na transformação industrial sob a égide do sector privado.

“África tem uma real oportunidade de criar empregos e de promover a transformação económica inclusiva pelo desenvolvimento da manufactura a nível nacional, e através de um processo de industrialização que aposte nos produtos de base, tirando proveito dos recursos do continente e das oportunidades que as mudanças oferecem e que são observadas na estrutura da produção mundial”, salienta a análise do “The High 5”.

Assim sendo, sugere que, para explorar as oportunidades de industrialização que se apresentam em África, é preciso valorizar os produtos nacionais, os produtos de bases agrícola e industrial, e estabelecer laços a montante e a jusante com as cadeias de valor regionais e internacionais.

Enfim, para diversificar a economia, propõe o aumento de 130 por cento da contribuição da indústria ao Produto Interno Bruto (PIB), com apoio de 35 amostras industriais e a criação e o reforço de 30 PPP (protocolo ponto a ponto).

Industrialização e a Agenda 2063

Sendo a industrialização sustentável a prioridade actual da Agenda 2063 e dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável da União Africana, ela está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do comércio, concomitantemente à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA).

Esta última consiste numa zona geográfica continental onde os bens e serviços circulem sem restrições entre os Estados-membros da UA.

Ao permitir um acordo comercial global e mutuamente benéfico entre os Estados-membros, que abrange o comércio de bens e serviços, os investimentos, os direitos da propriedade intelectual e a política em matéria de concorrência, a ZCLCA pretende estimular o comércio intra-africano.

No seu Plano de Acção para estimular o comércio intra-africano (BIAT), o Acordo visa reforçar a integração dos mercados africanos e aumentar, nas próximas décadas, o volume das trocas actualmente existentes, fazendo-o passar de 10 a 13  por cento para 25 por cento ou mais.

Paralelamente, o Plano de Acção para o Desenvolvimento Industrial Acelerado de África (AIDA) tem por propósito mobilizar os meios financeiros e não financeiros para melhorar a performance da indústria africana.

A história reza que a industrialização de África remonta aos anos 1960, impulsionada por políticas voluntaristas de substituição das importações, baseada, em certa medida, na protecção comercial das empresas públicas em situação de monopólios.

Apesar da desaceleração que sofreu na década de 80 do século XX por causa da concorrência de que foi alvo com o avanço económico dos chamados tigres asiáticos (China, Coreia do Sul, Singapura, Malásia, Taiwan e outros), a industrialização de África é, agora, uma necessidade imperiosa de criar milhões de empregos por ano.

Segundo a Comissão da UA, que cita estatísticas das Nações Unidas, as indústrias africanas continuam a ser as menos competitivas e produtivas do Mundo, com um valor acrescentado da indústria transformadora (MVA) ainda muito baixo, situando-se entre 12 e14 por cento, como medida da contribuição do sector para o PIB.

Em relação à percentagem do valor acrescentado da indústria transformadora mundial, África situa-se em 1,5 por cento contra 17,2 por cento da Ásia Oriental, 5,8 por cento da América Latina, 22,4 por cento da América do Norte, 24,5 por cento da Europa.

Essa situação é vista como “problemática”, quando se considera que nenhum país ou região do Mundo já alcançou prosperidade e condições socioeconómicas decentes para os seus cidadãos, sem o desenvolvimento de um sector industrial forte.

Para superar os desafios da industrialização, a UA, em parceria com as Nações Unidas, através da sua Comissão Económica para África (UNECA) e da Organização para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), está a trabalhar numa série de iniciativas que se acredita que poderão transformar África de um continente impulsionado pelos produtos de base para um continente impulsionado pela indústria, tecnologia, inovação e conhecimento.

 





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