Retrospectiva 2023: África lidera conflitos

     África           
  • Luanda     Quarta, 27 Dezembro De 2023    10h37  
Mapa de África
Mapa de África
Divulgação

Luanda – Com novas frentes abertas em regiões como Sahel e Grandes Lagos, África manteve, em 2023, a sua posição de continente com o maior número de conflitos duradouros no mundo, confirmando projecções anteriormente avançadas.

Por Catarina Silva, jornalista da ANGOP

Segundo dados de um estudo recente, dos 54 países do continente, mais de 30 viveram conflitos de vários tipos, nos últimos anos, desde guerras civis a genocídios, passando por disputas sectárias e terrorismo interno. 

Actualmente, dezenas de conflitos continuam a assolar o mundo, entre recentes e os que já duram há décadas, mas dos mais de 20 ainda activos ou surgidos, em 2023, cerca de metade ocorrem no continente berço da humanidade, principalmente na África Subsariana ou no Sahel.

As causas residem num conjunto de factores comuns, como disputas territoriais, crises políticas emergentes de golpes de Estado, rivalidades tribais, étnicas ou religiosas, eleições mal sucedidas e a luta por recursos naturais.

Crimes de guerra como genocídios, torturas, massacres, violações em massa, exército de crianças, extermínio de comunidades inteiras, morte de mais civis que militares e graves crises humanitárias com deslocações maciças das populações são os resultados mais frequentes.

Admite-se, igualmente, que outras raízes dessas confrontações podem ser encontradas nos resquícios do processo de partilha de África, promovida nos finais do século XIX, pelos países europeus durante a célebre Conferência de Berlim de 1885, que marcou o início do imperialismo ou do neocolonialismo, no continente africano.    

A lista dos actuais focos de tensão, em África, é comandada pelo Sudão, que, desde 15 de Abril de 2023, mergulhou numa nova guerra civil que já fez cerca de 12 mil mortos, incluindo mulheres e crianças, e seis milhões de refugiados e deslocados internos.

Conhecida como “a guerra dos generais”, esta é a quarta guerra civil no país, depois das de 1955-1972, 1983-2005 e 2003-2020, e tem as crianças entre as principais vítimas.

Só em Darfur, o número de violações graves dos direitos das crianças desde o início do conflito aumentou 550% em relação ao total verificado em 2022, segundo o UNICEF.

O vizinho Sudão do Sul, a Somália, a Etiópia, a Líbia, o Mali, a República Democrática do Congo (RDC),  a República Centro-Africana (RCA), o Tchad, o Burkina Faso, o Níger, os Camarões, a Guiné-Conakry, a Guiné-Bissau e o Gabão são outros motivos de preocupação no continente.

Por via das acções do extremismo islâmico, a lista integra também a Nigéria e Moçambique, dois países em dois extremos confrontados com o fenómeno da expansão do fundamentalismo religioso através do Estado Islâmico.    

O grupo fundamentalista Boko Haram e mais recentemente o ISWAP (Estado Islâmico da Província Ocidental) têm feito milhares de vítimas desde 2009, na Nigéria, onde as últimas estimativas apontam para 350 mil mortes.

Em Moçambique, a província do Cabo Delgado, no norte do país, é alvo de ataques terroristas desde 2017, levados a cabo por rebeldes armados ligados ao Estado Islâmico.

O número de mortes já ultrapassou as 3100 pessoas às quais se juntam mais de 859 mil deslocados internos, vítimas das acções de tais grupos armados que combatem as forças governamentais apoiadas por unidades do Rwanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). 

Guerras civis 

Para além da nova guerra sudanesa, dois outros antigos conflitos mantiveram-se activos em 2023, designadamente, na República Democrática do Congo (RDC) e na Somália.

Alianças alternadas entre diferentes grupos armados, operações militares constantes, instabilidade, insegurança e violência marcam o cenário no leste da RDC, desde finais de 2021, com o ressurgimento da rebelião do M23.

O país de mais de 250 grupos étnicos que disputam poder e riqueza conta actualmente com mais de uma centena de grupos armados, incluindo o M23 (Movimento de 23 de Março), alegadamente apoiado pelo Rwanda, segundo as autoridades em Kinshasa.

Inicialmente, o M23 surgiu em 2012, quando lançou uma rebelião contra o Governo de Joseph Kabila e ocupou a principal cidade da província do Kivu-Norte, Goma.

Depois de uma derrota militar no terreno diante do Exército congolês apoiado por forças da ONU, o M23 assinou uma trégua no ano seguinte, antes de reaparecer em 2021. 

Na Somália, a Guerra Civil iniciada em 1991 tem causado a desestabilização de todo o país, com a perda do Governo do controlo substancial do Estado para as forças rebeldes.

Depois da independência, o país foi conduzido por um governo de orientação democrática até 1969, quando o general das Forças Armadas, Mohamed Siad Barre, promoveu um golpe de Estado que o transformou em líder máximo do país nos 20 anos seguintes.

No ano de 1991, o general acabou destituído do posto ditatorial, pela força militar imposta pelos grupos armados que se formaram durante esse tempo.

Repartidos em três facções diferentes, esses grupos passaram todos eles a reivindicar o poder para si, mergulhando o cenário político somali numa profunda crise longe do controlo de qualquer autoridade central ou conciliadora para estabilizar o país.

Até hoje, o governo enfrenta a acção das milícias islâmicas de orientação radical, como o Al-Shabab, que há muito se infiltrou na sociedade somali, explorando as divisões de clãs e extorquindo milhões de dólares por ano de empresas e agricultores para impor um califado islâmico.

Criado em 2006, o Al-Shabaab é próximo da Al-Qaeda e teve um papel destrutivo durante a guerra entre a Etiópia e a Somália, que durou até 2009.

O grupo atingiu o pico da sua actividade terrorista, em 2011, quando assumiu o controlo de várias zonas da capital Mogadíscio, bem como do porto de Kismayo.

Estima-se que existam entre sete mil e nove mil combatentes, que são maioritariamente jovens que atacam organizações civis, instituições estatais e alvos militares, incluindo da Missão da União Africana, aprovada pela ONU e com mais de 20 mil soldados no terreno.

Segundo as mesmas estimativas, o Al-Shabaab já terá matado mais de quatro mil civis, desde 2010.

Golpes de Estado

Os golpes de Estado militares têm sido cada vez mais frequentes no continente, com maior realce para a região Ocidental, tida como a mais “fértil” nesse tipo de acções, que põem em risco os processos democráticos e a estabilidade política dos países.

Geralmente, os golpistas apresentam-se às populações com discursos messiânicos e promessas de fazer melhor do que os regimes derrubados, quase sempre acusados de nada fazerem para o bem-estar dos seus cidadãos.

Mas em muitos casos, muito rapidamente as populações vêem frustradas as suas expectativas, quando descobrem que o objectivo principal dos golpistas é apenas a aquisição e manutenção do poder tal como os seus antecessores.  

Nalguns países, muito raros, os militares chegam a honrar a sua promessa de devolver o poder aos civis nos prazos acordados, mas noutros, e mais frequentes, a táctica tem sido de utilizar o período de transição como trampolim para legitimar através das urnas o poder obtido pela força. 

Por essa via, cai-se no círculo vicioso das lideranças africanas que decidem perpetuar-se no poder, desprezando a Constituição do país e a vontade do povo, mas que acabam por dar lugar a outros golpes de Estado, com consequências catastróficas para os próprios Estados, como a instabilidade política nacional e regional.

A dissolução do governo e outros órgãos  de soberania costuma  ser a “passagem obrigatória”, quando os Estados africanos deviam esforçar-se mais por ultrapassar as questões internas que inibem o curso normal da vida nacional em todos os domínios.

Em cinco décadas de independência da maior parte dos países africanos, os processos eleitorais no continente ainda são deficitários e problemáticos, porquanto a realização das eleições termina, invariavelmente, em conflitos com as partes a reivindicar vitória.

Episódios do género já provaram ser potenciais fontes geradoras de guerras civis ou violência pós-eleitoral, no continente. 

Segundo pesquisadores, as lideranças africanas ainda têm dificuldades em abdicar dos seus intentos particulares e colocar à frente o desenvolvimento, a todos os níveis, dos seus países, rumo à consolidação da democracia e da estabilidade do continente.

Daí o recurso aos golpes de Estado, entendidos com o acto de destituir à força ou de maneira ilegal um governo constituído democrática e legalmente.

Ou seja, é o derrube de um governo por meio de artifícios ilegítimos para que um novo grupo de indivíduos possa assumir o poder de um Estado.   

A destituição dos governos, em África, pela via da força, é levada a cabo, na maioria das vezes,  por militares, com o apoio das elites económicas ou populares, como forma de expressar o descontentamento à governação do partido no poder.

Essa  destituição pode acontecer pelo uso da força militar ou por meio de manobras políticas e jurídicas, colocando em risco a ordem constitucional dos países.   

Só nos últimos três anos, o continente assistiu a sucessivos golpes de Estado consumados ou tentativas falhadas em países como o Mali, o Níger, a Guiné-Conakry, o Burkina Faso, o Sudão, o Tchad e mais recentemente o Gabão.

Mali  

O Mali registou dois golpes de Estado num espaço de nove meses.

A 18 de Agosto de 2020, o Presidente Ibrahim Boubacar Keita foi deposto por militares que tentaram iniciar uma transição, que viria a ser interrompida, em 2021.

Em 24 de Maio de 2021, os mesmos militares prenderam o presidente e o primeiro-ministro de transição, e o coronel Assimi Goita tomou posse como presidente de transição.

A junta comprometeu-se então a devolver o poder aos civis através de eleições, previstas para Fevereiro de 2024.

Níger 

No Níger, o último golpe de Estado data de 26 de Julho de 2023, quando o Presidente eleito, Mohamed Bazoum, foi destituído pelos militares e detido desde então. 

O regime militar surgido do golpe de Estado formou um governo e rejeitou todos os pedidos da comunidade internacional para repor a ordem constitucional.

Burkina Faso

Já o Burquina Faso registou dois golpes em oito meses.  

Em 24 de Janeiro de 2022, o Presidente Roch Marc Christian Kaboré foi derrubado também pelos militares, e  o tenente-coronel Paul Henri Sandaogo Damiba tornou-se  presidente em Fevereiro.  

No dia 30 de Setembro do mesmo ano, Damiba foi também destituído pelos seus colegas militares e o capitão Ibrahim Traoré foi nomeado presidente de transição até às eleições presidenciais, previstas para Julho de 2024.

Guiné  

Na Guiné, o Presidente Alpha Condé foi deposto, no dia 05 de Setembro de 2021, por um golpe militar liderado pelo coronel Mamady Doumbouya que desde então passou a dirigir o país com a promessa de devolver o poder aos civis eleitos até finais de 2024.

Sudão 

No Sudão, o actual conflito opõe o chefe do Exército, general Abdel Fattah Burhan, e o líder do grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido), Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido por "Hemeti".

Todas as tentativas de pacificação que se seguiram falharam, e os dois lados acusaram-se mutuamente de violação contínua dos vários cessar-fogos alcançados e os esforços de mediação não produziram qualquer efeito. 

As confrontações seguiram-se ao golpe de Estado de 25 de Outubro de 2021, interrompendo o processo de transição democrática iniciado, em 2019. O Exército sudanês deteve dezenas de funcionários de governo e políticos, dirigentes civis e o próprio primeiro-ministro Abdalla Hamdok 

Tchad 

Por sua vez, no Tchad a oposição denunciou, em Abril de 2021, "um golpe de Estado institucional" com a tomada do poder pelo filho do antigo Presidente, Idriss Déby Itno, morto na frente de combate com um grupo rebelde. 

O general Mahamat Idriss Déby assumiu o poder à revelia da Constituição, que mandava realizar eleições, tendo prometido um período de transição de 18 meses, que entretanto já chegou ao fim mas ele continua no poder. 

À frente de um Conselho Militar de Transição (CMT), Mahamat Idriss Déby exerce a função de Presidente da República e concentra quase todos os poderes, segundo um documento apresentado pela oposição, em 2021. 

Gabão  

No Gabão, o golpe de Estado ocorreu, em 30 de Agosto de 2023, num cenário de contestação de resultados e tensão política durante as eleições gerais, quando os militares depuseram o Presidente reeleito, Ali Bongo Ondimba.

Nas eleições presidenciais de 26 de Agosto de 2023, o Presidente Ali Bongo Ondimba, que procurava a sua reeleição para um terceiro mandato, foi declarado vencedor.

Pouco depois, surgiram imediatamente alegações de fraude e irregularidades eleitorais por parte da oposição e de observadores independentes, lançando uma sombra de dúvida sobre a legitimidade dos resultados eleitorais. CS/IZ





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