Resíduos "aguardam" por recicladores

     Ambiente           
  • Luanda     Sábado, 12 Junho De 2021    09h05  
Catadores de lixo (Arquivo)
Catadores de lixo (Arquivo)
Rosário dos Santos

Luanda – Angola continua a reunir condições para se tornar num mercado fértil para a indústria de reciclagem de resíduos sólidos, com uma produção de 6,3 milhões de toneladas/ano, só na província de Luanda, a sua capital e o principal centro económico.

Por António Neto

Apesar de tímidos avanços, nos últimos anos, o trabalho de reciclagem ainda é pouco estruturado nas 18 províncias angolanas, o que dificulta a arrecadação de receitas públicas provenientes do reaproveitamento de resíduos, aparentemente sem utilidade.

Ao contrário de outros Estados lusófonos, como o Brasil, o negócio da transformação de materiais descartáveis, como papel, latas, garrafas, plástico, ferro, cobre e madeira em matéria-prima para novos produtos, em Angola é feito por um reduzido leque de empresas, quando, segundo o Banco Mundial, se trata do quarto maior negócio do mundo.

No caso específico de Angola, com mais de 30 milhões de habitantes, o trabalho de recolha de resíduos sólidos continua a ser feito, na maioria das vezes, sem a observância do princípio da separação dos produtos, ou seja, sem agrupar, devidamente, plásticos, vidros, ferros e paus e outros materiais.

O país conta, actualmente, com pouco mais de 25 empresas credenciadas para o trabalho de recolha de resíduos sólidos, a maior parte em Luanda, mas poucas se ocupam da reciclagem efectiva.

Em Luanda, por exemplo, existem pouco mais de três pequenas empresas dedicadas ao trabalho de transformar produtos abandonados em lixeiras em novas matérias-primas. 

A recolha sectorizada é feita, principalmente, nos municípios de Cacuaco, Viana e Cazenga, que já dispõem de algumas empresas recicladoras, como a cooperativa Recovasso, que trabalha em parceria com os chamados catadores de lixo.

No essencial, a empresa compra, das mãos destes colaboradores eventuais, garrafas de água mineral, para a sua posterior transformação e produção de vassouras.

Dados da empresa referentes a 2019 indicam que a sua produção chega às 100 vassouras/dia. Para a sua confecção, são necessários pelo menos 40 bidões de água mineral, muitos deles provenientes da lixeira.

A Embalang é outra empresa que já se dedica ao negócio da reciclagem de lixo, em Luanda, onde recolhe, especificamente, várias toneladas de papel e de cartão canelado.

No mesmo segmento, está a empresa Vasso-Força, que produz vassouras, cadeiras, camas, utensílios de decoração doméstica, produzidos a partir de garrafas de plástico e papelão.

A mesma foi criada em Viana, no Zango IV, com o objectivo de oferecer o primeiro emprego aos cidadãos reassentados proveniente do Golf-2.

Vida dura – baixos ganhos

Conquanto, grande parte do material recolhido no país ainda vai parar em locais inadequados, como as lixeiras, ficando à mercê dos catadores, dada a falta de programas de reciclagem das operadoras.

Por essa razão, o número de catadores tende a aumentar nos últimos meses, principalmente depois da chegada da pandemia da Covid-19, em Março de 2020.

A recolha de materiais recicláveis e a posterior venda às empresas transformadoras é a sua principal fonte de renda.

No terreno, a ANGOP constatou que a vida destes cidadãos tem sido de luta e sacrifício. A busca por objectos atirados ao lixo para reaproveitar, a ponto de gerarem dinheiro, é intensa e constante.

Todos os dias, esses cidadãos "brigam", frequentemente, por vários objectos descartados em lixeiras, como papelões, garrafas de vidro e de plástico, fios de cobre, sacos de plástico, latas de cerveja e de refrigerante, recolhidos ao ar livre para servirem de "moeda de troca".

A tabela de preço varia mediante o peso do produto e a sua valorização. Um quilograma de alumínio custa 225 kwanzas, de ferro 35/45 kwanzas, as garrafas de vidro 17,  papelão 10 kwanzas, plástico duro 100/150 e garrafas de plástico 100 kwanzas.

Na capital do país, a intensa rotina de senhoras e crianças, à volta dos pontos de recolha de resíduos,  começa às 5:00 horas da manhã. Estes deambulam por vários pontos de descarte inadequado de lixo, à procura de plástico, garrafas de vidro, latas de alumínio, papelão e material ferroso.

Durante a sua actividade, as catadoras de lixo não medem esforços, apesar do calor e do sol abrasador que enfrentam no dia-a-dia. Desse sacrifício, depende o sustento das famílias.

Aliada a este facto, a falta de material de segurança e higiene durante a execução das suas actividades constitui outro constrangimento, sendo este aspecto ignorado pelas mulheres, que procuram separar  resíduos orgânicos dos recicláveis, ficando expostos a vários vectores de doenças.

Entre as centenas de cidadãos que fazem da recolha do lixo reciclável o meio para garantir o sustento dos filhos, a ANGOP encontrou a cidadã Cristina Manuel, de 38 anos. Mãe de três filhos, recolhe material reciclável na Centralidade do Kilamba, há quase um ano, associando-se à Nação Verde.

O trabalho desenvolvido é compensado mediante o peso do material recolhido, mas, devido a situação da pandemia da Covid-19, encontram algumas dificuldades.

"Temos registado atrasos no pagamento devido à falta de dinheiro na associação, mas continuamos a fazer o trabalho e, por vezes, vendemos o produto às empresas que efectuam a reciclagem", refere.

A mesma história de sofrimento é narrada por Júlia Sampaio, 47 anos, residente no município do Cazenga, que recolhe, principalmente, latas de alumínio.

"O pouco que consigo com a venda das latas dá para comprar algo para as crianças. Temos que acordar cedo e procurar, principalmente aí onde se realizam festas ou vendem bebidas", refere.

Segundo Júlia Sampaio, o trabalho começa logo ao nascer do sol, com a identificação de potenciais locais deste material. Depois da recolha, segundo a catadora, as latas são amassadas e armazenadas em sacos, a fim de serem levadas às empresas de reciclagem.

Júlia Sampaio reforça que, com o trabalho desenvolvido, consegue disponibilizar o mínimo para a alimentação familiar, embora os lucros sejam baixos.

A lata é a sua matéria-prima de eleição, por ser o item mais reciclado e de maior valor.

Crianças expostas ao risco

Para além das mulheres de várias idades que recolhem resíduos sólidos recicláveis, é comum encontrar-se, também, crianças envolvidas nesta actividade, sem o mínimo de protecção, pondo em risco a saúde. A maioria não frequenta a escola e faz da recolha de resíduos sólidos um meio de sobrevivência.

Descalços e, por vezes, de tronco nu, os meninos deambulam por longas distâncias, lixeira por lixeira, à procura de cobre, zinco, plásticos, ferros e electro-domésticos, a fim de retirarem materiais recicláveis.

Dos rendimentos saídos do trabalho, alguns ajudam as famílias. Noutros casos, o ganho serve para alimentar os vícios, uma vez que muitos se encontram abandonados à sua sorte.

Ciente da sua responsabilidade no que toca ao bem-estar social das famílias vulneráveis, o Executivo, por intermédio da Agência Nacional de Resíduos, do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU), em parceria com organizações não governamentais (ONG), está a trabalhar para fornecer estímulo às acções desenvolvidas pelas famílias de catadores.

Como o objectivo é incentivar a consciencialização da população sobre hábitos e comportamentos de melhor acondicionar o lixo, bem como garantir o sustento de muitas famílias, foi criada a Associação Nação Verde (ANV), sem fins lucrativos.

O presidente da ANV, Nuno Cruz, afirma que a grande dificuldade para a expansão do projecto e melhoria do funcionamento é a falta de financiamento destinado a potenciar as catadoras de condições para o exercício da sua actividade em segurança.

"É necessário que as organizações de defesa do ambiente, a sociedade civil e o Governo unam energias, no sentido de podermos ajudar o maior número de mulheres", refere.

No âmbito do programa de promoção do género, empoderamento da mulher e de desenvolvimento local e combate à pobreza, bem como a procura de incentivos para a geração de rendimentos para as famílias que trabalham com resíduos sólidos, 33 mulheres catadoras de resíduos sólidos, do distrito urbano do Kilamba, município de Belas, em Luanda, foram incentivadas a constituir cooperativas.

As cooperativas e associações poderão ter acesso ao micro-crédito, com juros bonificados, a partir do Fundo de Capital de Risco Angolano (FACRA), sendo também potenciadas com acções de capacitação e constituídas em pequenas empresas familiares.

A propósito, recentemente, a secretária do Estado para a Família e Promoção da Mulher, Elsa Barber, destacou o papel das catadoras para a transformação do ambiente.

Para potenciar a suas acções, o MASFAMU prevê ajudar na formalização das cooperativas e, com o Ministério da Economia e Planeamento, desenvolver um modelo de negócio, como também cadastrar as catadoras de lixo na sua plataforma.

O director do Gabinete para a Política da População, Celso Borja, afirma que a pretensão é identificar as cooperativas de recolha de resíduos sólidos urbanos e incorporar na estratégia de valorização e criação de oportunidades para as famílias.

As cooperativas poderão ter acesso a um micro-crédito, no valor de sete milhões de kwanzas, disponibilizado pelo Fundo de Capital de Risco Angolano (FACRA), para apoiar na melhoria das condições de trabalho durante a actividade de recolha de lixo.

Formação de catadores

Para a valorização dos resíduos sólidos, através da reciclagem, a Agência Nacional de Resíduos avançou já com um projecto de formação, iniciado na província do Huambo.

A presidente do Conselho de Administração da ANR, Nelma Caetano, adianta que estão a ser identificados e formados catadores de lixo em gestão de resíduos, educação ambiental, higiene e segurança no trabalho.

Para a concretização do projecto, a ANR socorre-se do memorando assinado em Fevereiro deste ano com o Instituto Nacional do Emprego e de Formação Profissional.

"À medida em que vamos identificando os catadores de lixo, quando for possível constituir uma turma, formamos. Se tivermos um número considerável, transformamos a turma em cooperativa", refere.

Após a formação, atribuem-se certificados e, em paralelo com o INEFOP, no âmbito do Plano de Acção de Promoção da Empregabilidade, promove-se a concessão de créditos, para  auxiliar na formação de cooperativas.

Só este ano, duas cooperativas de catadores de resíduos sólidos da província do Huambo beneficiaram de novos equipamentos de trabalho, de higiene e segurança.

Entre os equipamentos constam motorizadas de três rodas, distribuídos pelo Ministério da Administração Publica, Trabalho e Segurança Social, no âmbito do Plano de Acção para a Promoção da Empregabilidade (PAPE).

Apesar destes passos, o caminho para a criação de uma indústria de reciclagem de lixo, em Angola, ainda é longo.

O Executivo tem em carteira um projecto para a implementação de um novo modelo de recolha de resíduos, com maior capacidade instalada, que inclui o tratamento, a separação e a entrega.

O projecto visa, entre outros aspectos, promover a gestão do aterro dos Mulenvos, em Luanda, para um centro de valorização de resíduos sólidos, com parceria público-privada.

Até à sua implementação, os angolanos aguardam expectantes que o lixo deixe de ser um problema para as sociedades, transformando-se numa fonte de receitas públicas capaz de ajudar a alavancar a economia, bastante afectada pela crise petrolífera de 2014 e pela pandemia da Covid-19.

Resíduos a nível planetário

Estudos indicam que milhares de milhões de toneladas de resíduos perdem-se, anualmente, em todo planeta, numa altura em que sete biliões de seres humanos produzem, por ano, 1,4 bilião de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) — uma média de 1,2 kg por dia per capita.

Quase a metade desse total é ­gerada por menos de 30 países, os mais desenvolvidos do mundo.

Projecções traçadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial indicam que daqui a 10 anos serão 2,2 biliões de toneladas anuais. Na metade deste século, se o ritmo actual for mantido, ter-se-á nove biliões de habitantes e quatro biliões de toneladas de lixo urbano por ano.

Dados de pesquisa apontam no sentido de que só a reciclagem do alumínio economiza 95 por cento do custo de energia para produzir alumínio novo, razão pela qual os moradores de Nova Iorque são obrigados, desde 2005, a reciclar os seus aparelhos electrónicos ou pagar uma multa de 100 dólares por peça.

Para se ter uma ideia, a quantidade de latas e garrafas de refrigerantes dispensada num ano, pelos norte-americanos, é suficiente para chegar e voltar da Lua 20 vezes.

No caso do Brasil, este segmento de negócio gera avultadas receitas, tendo, só em 2017, atingido os 39 milhões de reais (USD 7.714.215,22), resultantes da comercialização de 84 mil toneladas de resíduos sólidos.

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública referem que cada pessoa naquele Estado da América do Sul "é responsável por gerar, todos os dias, pelo menos um quilo de lixo".

Segundo esses números, em 2019, o Brasil reaproveitou 97,6% das latas comercializadas, enquanto que, no período 2018/2019, a venda deste tipo de material subiu 13,7%.

Entretanto, conforme os dados disponíveis, muita gente tenta dar o destino adequado ao lixo, mas, ainda assim, 10% dos resíduos aí produzidos não chegam, de facto, ao tambor de lixo.

Em concreto, pesquisas indicam que os Estados Unidos da América, a China, Índia e o Brasil são os maiores produtores de lixo plástico no mundo, com quase 11 milhões de toneladas.

 



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