Benguela regista ligeiro aumento na captura de pescado em 2023

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  • Benguela     Quinta, 09 Maio De 2024    11h59  
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Peixe capturado (Foto Ilustração)
Peixe capturado (Foto Ilustração)
Rosário dos Santos
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Embarcações de pesca (Arquivo)
Embarcações de pesca (Arquivo)
Rosário dos Santos - Angop

Benguela – Apesar da escassez de peixe na costa angolana, os armadores da província de Benguela capturaram, em 2023, 72 mil e 678 toneladas de pescado, com um ligeiro aumento de 1.639 face a 2022.

Parte significativa desta captura, com destaque para as espécies pelágicas, é processada para congelação pelas empresas do sector, na sua maioria no município da Baía Farta, principal centro pesqueiro de Benguela.

As espécies pelágicas como a sardinha, carapau e cavala lideram a lista das capturas e representam 75, 3 por cento do volume total da captura do ano de 2023, que ainda incluem, embora em menor quantidade, o cachucho, gambas, alistado, caranguejo, tilápia e roncador.

Com mais de 90 embarcações, na sua maioria para a pesca de cerco e em média com capacidade de 30 toneladas, nas áreas industrial e semi-industrial,  a província de Benguela tem alcançado médias de captura superiores às seis mil toneladas de pescado/mês, ainda longe do “boom” do passado.

Embora o peixe tem vindo a escassear no mar benguelense, a indústria pesqueira local continua a resistir à crise, afirmando-se como outro dos grandes sectores de investimento internacional na província, situada no Centro-Sul do país.

Prova disso é a empresa Vimar & Filhos, uma moderna pescaria com cerca de 600 trabalhadores, sendo um dos maiores projectos de captura e congelação de pescado na Baía Farta, com oito embarcações para a pesca de cerco, com enfoque nas espécies pelágicas.

Segundo Naty Viegas, sócia-gerente da empresa angolana, as oito embarcações têm, cada uma, capacidade de 60 toneladas.

Já na área de produção, apontou a responsável, a capacidade instalada é de duas mil toneladas de conservação e 400 toneladas de congelação.

Além de clientes provenientes da República Democrática do Congo, a companhia tem como prioridade o abastecimento de pescado no mercado interno, com primazia para as províncias de Malanje, Bié, Huambo, Lunda Sul, Cabinda e Lunda Norte.

Esforço de pesca

O director do Gabinete da Agricultura, Pecuária e Pescas, José Gomes da Silva, destaca que no exercício económico de 2023 o sector pesqueiro teve um ligeiro crescimento no índice de captura, comparativamente ao ano anterior, com 71 mil e 39 toneladas registadas.   

O responsável explica que este aumento na captura resulta de dois factores principais: o número significativo de embarcações e o elevado esforço de pesca.

Por essa razão, mostra-se pouco satisfeito, já que este crescimento não reflecte a disponibilidade de recursos pesqueiros na costa benguelense, mas o esforço de pesca dos armadores.

O responsável também ressaltou a revitalização da frota pesqueira da província, porquanto passou de 40 embarcações, nos últimos três anos, para os actuais mais de 90 barcos operacionais.

Entretanto, esclarece que o aumento significativo do número de embarcações, fruto dos investimentos das empresas do sector, contrasta com a diminuição drástica da biomassa de certas espécies, daí a escassez de pescado no mercado.

É que, segundo ele, nota-se cada vez mais embarcações para pescar do que recursos disponíveis, uma situação que se agrava com a débil capacidade da fiscalização.

“Nós tivemos um aumento nas capturas. Mas isso não nos alegra, porque resultou do esforço de pesca, ou seja, mais embarcações entraram nos mares”, admitiu.

De ano a ano a disponibilidade de recursos pesqueiros na costa angolana tem vindo a diminuir, de acordo com José Gomes da Silva, que ainda destaca o reforço das medidas de gestão sustentável destes recursos pesqueiros na costa angolana para 2024.

Essa situação pode trazer graves consequências para o futuro, como antecipa o responsável, prevendo que os recursos pesqueiros não aguentariam a grande pressão do demasiado esforço de pesca.

Por isso, defende que é preciso reduzir o número de embarcações nos mares como forma de reduzir esse esforço de pesca.

Impacto dos arrastões  

Visivelmente apreensivo com a intensidade e o impacto da pesca de arrasto de espécies demersais, o gestor revela que aproximadamente 50 embarcações de Benguela estão envolvidas nesta prática, enquanto sete outras fazem arrasto de espécies pelágicas, entre as quais o carapau.

Com efeito, defende medidas de controlo na costa angolana ou até a proibição da pesca de arrasto de espécies pelágicas e a redução da de demersais, visando o aumento da biomassa.

 “Pela capacidade de captura destas embarcações, estamos a falar em milhares e milhares de toneladas”, alerta, denunciando ainda que só uma embarcação de arrasto pode corresponder a 30 ou 40 embarcações semi-industriais de 24 metros de comprimento.

De igual modo, dá conta de que a nível nacional existem cerca de 350 embarcações entre industriais e semi-industriais, sendo que o Total Admissível de Captura ( TAC) é de 304 mil toneladas.

“Se formos a dividir essas embarcações todas, não haverá sustentabilidade principalmente para as grandes embarcações, porque essas, para serem sustentadas, têm mesmo que pescar”, avisa.

Alerta de armadores

 

Agastados com os arrastões, os armadores de pesca em Benguela pedem o reforço por parte do Governo das medidas de controlo da pesca de arrasto na costa angolana, uma vez que está a afectar consideravelmente a preservação das espécies.

O alerta é do vice-presidente da Associação de Pesca de Benguela, Álvaro Eugénio, advertindo que o impacto da pesca de arrasto, embora permitida por lei no nosso país, está a comprometer cada vez mais os recursos pesqueiros, devido à sua intensidade.

Receando que o futuro venha a ser doloroso, se medidas não forem tomadas, o armador acrescenta: “Para já, temos de alterar determinadas práticas”.

A escassez de recursos é outra preocupação manifestada pelos armadores de pesca, com o “porta-voz” dos associados a cogitar a possibilidade de muitas empresas, com mais de 40 anos de existência, sobretudo na Baía Farta, irem à falência, por causa das dificuldades de capturas. 

A seu ver, são necessárias e urgentes medidas, de tal maneira que os recursos pesqueiros aumentem, assim garantindo a auto-sustentabilidade das empresas para honrarem os compromissos firmados com a banca.

Não obstante vários alertas às autoridades competentes para as consequências dos arrastões sobre as espécies pelágicas, Álvaro Eugénio lamenta que a situação tenha provocado uma queda acentuada das capturas e deixado as empresas com “nervos à flor da pele” dadas as dificuldades com a banca.

Proprietário da empresa de pesca “Alva Fishing”, também relaciona a pesca ilegal à diminuição vertiginosa dos níveis de capturas, nos últimos anos, a exemplo do carapau que praticamente desapareceu da mesa do consumidor, “pois se tornou uma espécie vulnerável”.

A sardinha, popularmente apreciada e conhecida como lambula, é outra espécie que também “sumiu” da mesa dos consumidores, principalmente de baixa renda, por causa da intensa pesca de arrasto na costa, motivada pela ineficiente fiscalização, como fez saber o interlocutor. 

“Até à chegada dos arrastões, tínhamos um recurso dessa espécie (carapau) perfeitamente saudável”, contou, lembrando que, há 25 anos, os barcos de madeira de 20 metros e redes pequenas pescavam mais que as actuais embarcações com tecnologia de ponta.

“Eu tinha dois barcos de madeira e tinha peixe todos os dias”, recorda.

E lamenta: “Hoje, há meses em que ficamos parados à espera que os barcos cheguem apenas para manutenção”.  

Arrastões “afundam” pescas

No mesmo sentido, o empresário e presidente da Aliança Empresarial de Benguela (AEB), Adérito Areias, também constata que o sector das pescas está a atravessar uma profunda crise, devido aos baixos índices de captura a nível do país, e antevê a falência de muitas empresas caso a situação prevaleça.

Para Adérito Areias, cujo grupo empresarial homónimo também se estende ao ramo da pesca e ao processamento de pescado, a causa principal tem que ver com o “excesso de arrastões” que fazem uma captura não controlada, condicionando a reprodução de algumas espécies.

“Temos problemas graves de biomassa, que foi seriamente atacada e penso que a situação está catastrófica a nível da pesca marítima”, alerta.

Perante este quadro, Adérito Areias propõe uma pesca com foco na conservação e exploração responsável e sustentável dos recursos como caminho para a saída da crise em que o sector está mergulhado.

Depois, defende igualmente uma aposta séria com prioridade na piscicultura e na maricultura (produção de organismos aquáticos e marinhos), afiançando que há muitos rios e lagoas com condições favoráveis.

No caso concreto de Benguela, sugere a baía dos Elefantes e a dos Pássaros, e a zona da Equimina, na Baía Farta, para se praticar a maricultura de qualidade, havendo ainda condições para a pesca continental.

Quanto aos níveis de capturas de 2023, Adérito Areias aproveitou para dizer que, na pesca marítima, principalmente na semi-industrial, quiçá não se tenha pescado sequer cinco por cento dos níveis habituais.

“Por isso é que defendo que temos que nos virar um bocado para a pesca continental para não morrermos todos na praia, como se diz na gíria”, enfatiza Adérito Areias.

E revela que a meta mínima de captura da sua companhia era de cerca de mil toneladas de pescado até meados de 2023.

Paradoxalmente, entre Janeiro e Maio de 2023, a captura fixou-se em apenas 140 toneladas, o que, em seu entender, representa uma situação extremamente grave que pode gerar sérios problemas de desemprego e de falência a nível da pesca marítima.

Como alternativa, contou que, neste momento, está a financiar a pesca com o rendimento do sal. “Se não tivéssemos o sal, já teríamos posto no desemprego cerca de 500 pessoas. Mas temos fé e vamos ver como gerir”, acrescentou.

Também o empresário do ramo das pescas, Arnaldo Vasconcelos, ressalta o declínio muito acentuado nas capturas de pescado como resultado da sobrepesca praticada nas últimas décadas.

Por isso, sugere medidas sustentáveis para salvaguardar o futuro, que passam pelo não licenciamento de barcos de grande porte, particularmente dos arrastos que dão cabo dos recursos pesqueiros.  

Atento à crise no sector, o empresário Miguel Paim, da pescaria Congele, mostra-se alarmado com a escassez de pescado que se regista na Baía Farta.

Contrariamente à abundância de peixes no passado, nos mares da Baía Farta, hoje, os barcos percorrem longas distâncias até ao Namibe em busca de carapau, espécie de maior valor comercial, como conta.

“Nos últimos anos, as capturas têm baixado significativamente na zona marítima da Baía Farta”, refere, preocupado, o jovem armador.

Daí salientar a alternativa dos barcos de sondar outros destinos mais distantes na costa angolana, com o constante "vaivém" da Baía Farta para a Lucira, no Namibe, ou para o Porto Amboim, no Cuanza-Sul, a norte da província de Benguela.

A mesma opinião é partilhada pelo armador Luís Fernandes, proprietário da Real Pescaria, na povoação do Chamume, que deplora que a situação não é das melhores, porque o peixe está a escassear muito e teme o pior.

O septuagenário responsabiliza as pescarias com indústrias de farinha de peixe, de elevada capacidade de produção, pelo desaparecimento das espécies pelágicas, nos últimos anos, principalmente na Baía Farta e no Tômbwa, na província do Namibe.

Segundo ele, essas pescarias têm barcos de 300 a 400 toneladas que pescam tudo quanto aparece, inclusive a sardinha pequena.

O empresário diz, sem “meias-medidas”, que as autoridades têm de reforçar a fiscalização no mar e em terra, controlando as frotas dos grandes barcos, na tentativa de manter as capturas de pescado para alimentar a população.  JH/CRB 

 

 

 





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