Mercado informal domina comércio rural

     Economia           
  • Luanda     Sexta, 05 Março De 2021    17h48  
Huíla: Feira da batata.
Huíla: Feira da batata.
Amélia Oliveira

Luanda - O comércio rural, alicerçado sobretudo na agricultura familiar, encerra, em si, a chave da promoção e do desenvolvimento da produção nacional, da segurança alimentar e na fixação da população nas zonas rurais, em Angola, principalmente no actual contexto em que o Estado aposta na diversificação da economia.

A sua integração nas redes comerciais globais e no sistema logístico constitui um dos principais desafios da acção governativa em Angola.

Não se pode falar de comércio rural em Angola sem mencionar o sector informal, que continua a dispor de importante peso na comercialização dos produtos agrícolas, pecuários, artesanais e consequentemente na economia nacional.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados em Dezembro de 2020, neste ano, o emprego na área rural foi superior à urbana (76,1 e 48,5%), apresentando uma diferença de 27,6 pontos percentuais.

O documento enfatiza que mais da metade (55,6) da população empregada encontra-se no sector da Agricultura, Produção Animal, Caça, Floresta e Pescas (5.622.774 pessoas), seguido do Comércio, com 19,4% (1.959.444 pessoas).

Estes e outros indicadores mostram que a produção agrícola e a rede comercial rural, tradicionalmente de importância fundamental para os equilíbrios socioeconómicos do interior do país, sustentam uma  parte importante da população activa, apesar das dificuldades que os produtores enfrentam, sobretudo no escoamento dos seus produtos.

O peso do mercado informal no processo do comércio rural não permite ao Estado saber, ao certo, quantos cidadãos e/ou camponeses exercem tal actividade.

Todavia, a maior parte dos produtores e comerciantes rurais queixam-se da existência de estradas em mau estado que inibi a revitalização do comércio rural.

Bengo, Cabinda, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Cunene, Huambo, Huíla, Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Malanje e Zaire destacam-se entre as que mais problemas de acesso têm.

Comércio rural nas províncias

Na Lunda Norte, os produtores queixam-se da falta de infraestruturas rodoviárias e de transporte capazes de promover a mobilidade e acessibilidade para os locais de produção, mercados específicos para a comercialização dos produtos e armazéns de conservação nas zonas rurais.

O produtor Zeca Rosa defende maior dinamismo na criação e promoção de incentivos fiscais e financeiros para aquisição, por parte de comerciantes, de mercadorias específicas necessárias ao escoamento da produção agropecuária do campo para os mercados de consumo ou centros urbanos.

Já o produtor Abel Paixão considera fundamental que se fomentem políticas de curto e médio prazo, que incentive os empresários locais e estrangeiros, a dinamizarem o comércio rural, através da criação de mercados ou pavilhões que possam congregar toda a produção para a comercialização.

Em Cabinda, o mau estado das vias de acesso continua a dificultar o escoamento dos produtos do campo para os grandes mercados, tornando o comércio rural deficiente, o que obriga os camponeses a optar pelo mercado informal para a comercialização, em pequena escala, dos seus produtos.

O governo local tem construído mercados rurais nas sedes comunais e municipais, cujo objectivo é promover o comércio junto das comunidades, mas as dificuldades das vias de acesso, bem como de viaturas para o transporte dos produtos do campo para os mercados fazem do comércio rural, nesta região, pouco dinâmico.

O mesmo problema, associado à falta de mercados rurais, enfrentam os camponeses das províncias do Bengo, Cuango Cubango, Lunda Sul e Uíge, onde o comércio rural é considerado informal, praticado por feirantes e ambulantes nas ruas e ao longo das vias.

No Huambo a actividade pode, este ano, ganhar nova dinâmica com a implementação de uma rede de pequenas lojas rurais, segundo informou o chefe do departamento do Comércio, Edvaldo da Costa, salientando que a iniciativa visa, entre outros, estimular a produção nacional, com a criação de imputs para a agro-indústria.

Na província do Moxico, o comércio rural, tal como noutros pontos do país, carece de apoios e incentivos por parte do governo e da banca, que deve criar condições necessárias para o acesso aos créditos agrícolas sem burocracias, como defende a empreendedora deste sector, há quase 20 anos, Angelina Alfredo, que engaja 14 trabalhadores, a quem paga um salário mensal de 15 mil Kwanzas.

Em Malanje a actividade, devido à falta de uma plataforma eficaz de escoamento do produto do campo para os grandes centros de consumo, também é desenvolvido no mercado informal, situação que prevalece desde a década de 90, com a paralisação das actividades dos grandes operadores que se dedicavam à compra e escoamento dos produtos.

Segundo o director do Gabinete Provincial de Desenvolvimento Económico Integrado, José Domingos, paralelamente a isso, existem, na província, quatro lojas da rede “Poupa Lá”, sendo duas no município de Malanje, uma em Cacuso e outra em Mucari, que absorvem produtos dos camponeses, embora não nos níveis pretendidos.

Para impulsionar o comércio rural na região, o Programa de Alívio Económico já disponibilizou 963 milhões, 672 mil Kwanzas, para seis operadores locais, que se dedicam à compra e distribuição de produtos do campo aos centros de consumo.

No Cuanza Norte,  o governo está a trabalhar na reorganização das estruturas retalhistas do comércio rural, para a actualização da estatística dos estabelecimentos que realizam actividades económicas nas comunidades.

Segundo o director do Gabinete Provincial de Desenvolvimento Económico Integrado, Fernando Mesquita, o programa de promoção do comércio rural, iniciado em Fevereiro,  compreende igualmente a distribuição aos agentes económicos locais, a título de crédito, de 33 viaturas de médio porte, com capacidade de oito toneladas, para apoiar o escoamento da produção das áreas de cultivo para os mercados.

Para além de mercados informais e formais em todas as sedes municipais, a província conta com mercados de pequeno porte em comunidades rurais, onde se reúnem os produtores agrícolas e comerciantes, em dias definidos da semana, para trocas comerciais.

Na província da Huíla,  a cadeia do comércio rural funciona desde a aquisição de insumos por parte dos produtores, à produção e transformação em pequenas indústrias caseiras, comercialização nos locais de produção e nos grandes centros de consumo.

A realização de feiras, reconversão da economia informal para formal, criação da iniciativa “business to business”, que visa reunir produtores e compradores para proporcionar celebração de contractos e vendas, são, entre outras, as acções em curso para melhorar a cadeia do comércio rural na região, que tem estado a crescer face ao aumento da procura da produção nacional por parte dos consumidores.

Apesar disso, os produtores familiares ainda enfrentam dificuldades para escoarem as suas produções, fruto da degradação de algumas vias secundárias e terciárias, a falta de meios de transportes e insuficiência de infra-estruturas para conservação.

No Cunene, o director do Gabinete Provincial do Desenvolvimento Económico e Integrado, Orlando Kamati, explicou que um dos factores que limita o escoamento da produção agrícola das famílias camponesas, associações, cooperativas e empresas agrícolas são as vias de acesso que carecem de melhorias, para o escoamento dos produtos nacionais até os locais de venda.

O produtor de hortaliças na comuna de Ondjiva, Bernardo Ndilimoita, afirmou que nesta fase da seca, a produção está comprometida, visto que a chimpaca onde tiravam água para irrigar os campos secou, um dos factores que está a contribuir para carência e preços altos dos produtos nacionais, como a fuba, o milho e o próprio tomate.

Cunene dispõe campos de produção nas zonas de Calueque, Xangongo, no município de Ombadja e Calonga e Mukolongodjo, no Cuvelai, que apostam na produção do milho, massango, massambala, feijão tomate, cebola, couve e outros.

Em 2020, o Cunene promoveu a primeira Feira sobre Escoamento de Produtos do Campo, que contou com vários expositores, entre agricultores individuais e organizados em cooperativas de camponeses.

No Zaire, Pequenos agricultores afirmam não existir um circuito devidamente estruturado de distribuição da produção mercantil do meio rural para o mercado de consumo na região, devido ao mau estado da maior parte das vias de acesso aos campos.

No entanto, o director do Gabinete de Desenvolvimento Económico Integrado, Sabino da Conceição, informou que três das 10 operadoras de comércio e distribuição de produtos agrícolas na região beneficiaram do financiamento para o efeito.

Perto de 400 milhões de kwanzas foram desembolsados às referidas operadoras, pelo Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), no âmbito do Alívio Económico, uma componente do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (Prodesi).

Mostrou-se esperançado que, com este programa, o comércio rural na província será dinamizado e os produtos do campo poderão chegar aos consumidores com maior facilidade.

As 18 cooperativas agrícolas locais aguardam pelo financiamento para relançarem o seu trabalho.

Face a estes e outros constrangimentos, o Executivo angolano tem vindo a aprovar programas que visam mudar o actual quadro, com vista a dinamizar o escoamento dos produtos e o comércio rural.

Entre eles, está o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), que desde 2019 já aprovou 744 projectos distribuídos pelos sectores da Agricultura  (347), do Comércio e Distribuição  (215), Indústria Transformadora  (103), Pecuária  (30), Aquicultura  (24), Pesca Marítima 20 e Pesca Continental 5.

O Executivo, anunciou recentemente, que se prepara para adquirir, numa primeira fase, 500 viaturas de transporte de carga, caixa aberta, para apoiar os operadores de transporte de mercadorias do comércio rural no país.

A iniciativa visa apoiar a actividade no campo, aumentando a capacidade de escoamento de mercadorias das zonas de produção para os centros de consumo.  Com capacidade média de 6,5 toneladas, as viaturas serão vendidas aos operadores de transporte de mercadorias, em todo o país, para pagamento em regime de prestações.

No âmbito das melhorias das vias de acesso, os governos provinciais receberam, em 2020, instrumentos de terraplenagem, um conjunto de equipamentos para a reparação de estradas, de forma a maximizar o seu uso, garantir a sua manutenção e manter a transitabilidade, especialmente nas rotas de escoamento de produtos agrícolas.





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