Retrospectiva 2023: Corredor do Lobito assinala "ponto de viragem"

     Economia           
  • Benguela     Domingo, 31 Dezembro De 2023    21h41  
1 / 3
Momento da assinatura do Contrato de Concessão do Corredor Lobito
Momento da assinatura do Contrato de Concessão do Corredor Lobito
Nelson Malamba
2 / 3
Porto do Lobito, uma das principais infra-estruturas do Corredor do Lobito
Porto do Lobito, uma das principais infra-estruturas do Corredor do Lobito
Cedida
3 / 3
Novo edifício administrativo do Governo Provincial de Benguela, na rua de Angola.
Novo edifício administrativo do Governo Provincial de Benguela, na rua de Angola.
António Lourenço-ANGOP

Benguela – A concessão do Corredor do Lobito ao consórcio internacional Lobito Atlantic Railway (LAR) foi um marco histórico, em 2023, na província de Benguela, onde cresce a expectativa em torno do relançamento desse megaprojecto ferroviário que vai ligar o Atlântico ao Índico.

Por José Honório, jornalista da ANGOP

Dez anos após o reinício da circulação do comboio do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) do Lobito até Luau, na fronteira com a República Democrática do Congo (RDC), a perspectiva de revitalização desse gigantesco corredor de 1.344 quilómetros coloca a província no centro das atenções.

A 4 de Julho deste ano, o Governo angolano deu um passo à frente ao assinar o contrato de transferência da concessão dos serviços ferroviários e da logística de suporte do projecto ao LAR, consórcio formado pela Trafigura (49,5 %), pela Mota-Engil (49, 5%) e pela Vecturis S.A (1%).

Sob olhar atento dos Presidentes de Angola, João Lourenço; da Zâmbia, Hakainde Hichilema; e da RDC, Félix Tshisekedi, o contrato de transferência foi rubricado, na cidade do Lobito, pelo ministro angolano dos Transportes, Ricardo d’Abreu, e por representantes da Trafigura, da Mota-Engil, da Vecturis S.A..

Vencedor do concurso internacional para a operação, exploração e manutenção do corredor ferroviário do Lobito, o concessionário assume o transporte de mercadorias, com maior predominância para minérios e combustíveis, entre o Lobito e o Luau, com a criação em vista de uma solução de transporte intermodal de mercadorias para a RDC e Zâmbia.

Investir 455 milhões de euros, em Angola, e outros 100 milhões na RDC, para melhorar as infra-estruturas do Corredor do Lobito ao nível de capacidade e de segurança, bem como comprar 35 locomotivas e 1.500 carruagens é o compromisso assumido pelo consórcio LAR, ao abrigo do contrato de concessão, que pode ser dilatado para 50 anos.

Despertar o “gigante adormecido”

Para se atingir os resultados esperados, o Lobito Atlantic Railway rubricou, um mês depois de formalizada a concessão, mais precisamente a 16 de Agosto de 2023, um memorando de entendimento com a empresa canadiana Ivanhoe Mines, que explora as minas de cobre de Kamoa-Kakula, na RDC.

O acordo comercial visa assegurar o transporte de 10 mil toneladas de concentrado de cobre, no último trimestre de 2023, da RDC para o Porto do Lobito, de onde serão exportadas para o mercado internacional.

A grande vantagem é que os canadianos da Ivanhoe Mines vêem, agora, reduzido o tempo de viagem de ida e volta através do Corredor do Lobito para 20 dias.

Antes, percorriam até 50 dias por via rodoviária de Kamoa-Kakula para portos de Durban (África do Sul), Walvis Bay (Namíbia), Beira (Moçambique) e Dar es Salaam (Tanzânia).

É nisso que reside o importante valor estratégico do Corredor do Lobito não só para Angola como para toda a África Austral, por constituir o eixo de exportação mais económico para os minérios provenientes da exploração da região do Copperbelt (RDC e Zâmbia), para o mercado internacional - a Europa, a América e a Ásia, no sentido descendente (Luau/Lobito).

No sentido ascendente – Lobito/Luau – constitui via para o transporte de mercadorias, como derivados petrolíferos refinados (gasóleo e gasolina), com vista a suprir as necessidades de importação para consumo, na Zâmbia, e na RDC, nesta sub-região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

É caso para dizer que “ontem como hoje”, o peso do Corredor do Lobito ultrapassa as fronteiras de Angola, pois, através da ligação à Zâmbia, é possível chegar-se à cidade da Beira, em Moçambique, e a Dar es Salaam, na Tanzânia, junto ao oceano Índico, facilitando as trocas comerciais.

Entre as linhas ferroviárias do país, a principal é a do CFB, que também se encontra ligado, indirectamente, ao sistema ferroviário da África do Sul, fazendo parte de uma rede transcontinental.

Parceria tripartida

Outro acontecimento significativo de 2023 foi a criação da Agência para a Facilitação do Transporte de Trânsito do Corredor do Lobito (AFTTCL), pelo Acordo Tripartido entre Angola, RDC e Zâmbia, assinado a 27 de Janeiro, para dinamizar a circulação de mercadorias, principalmente minérios, e promover a mobilidade dos cidadãos.

Sendo países encravados na região, isto é, sem acesso ao mar, esta parceria vai permitir que a Zâmbia e a RDC possam escoar as suas mercadorias, sobretudo, minérios da região de Copperbelt, usando as infra-estruturas de logística e transporte do Corredor do Lobito, como o Porto do Lobito e o CFB.

O Comité dos Ministros dos Transportes da Agência de Facilitação de Trânsito do Corredor do Lobito reuniu-se, pela primeira vez, a 16 de Dezembro, também na província de Benguela.

Entre os assuntos tratados esteve o financiamento dos Estados Unidos da América e da União Europeia para apoiar o desenvolvimento das infra-estruturas do Corredor do Lobito, bem como os projectos rodoviários e das telecomunicações.

Na mira dos investidores de peso 

Em virtude do seu importante papel como alavanca para o desenvolvimento da África Austral, o Corredor do Lobito despertou grande interesse de países influentes, instituições financeiras internacionais e investidores dentro e fora do continente, como os Estados Unidos, a União Europeia, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e o Africa Finance  Corporation (AFC).

Um exemplo disso é o investimento de mil milhões de dólares aprovado pelos Estados Unidos da América, no quadro da Parceria para Infra-estruturas e Investimentos Globais em (PIG) do Presidente Biden.

O projecto de investimento no Corredor do Lobito, nos termos da PGI, foi aprovado na última cimeira do G7 realizada, em Maio de 2023, na cidade japonesa de Hiroxima.

Numa primeira fase, os EUA estão a apoiar o desenvolvimento do Corredor do Lobito com um investimento inicial na expansão ferroviária, que poderá tornar-se na principal infra-estrutura de transporte ferroviário que liga a RDC e a Zâmbia aos mercados globais através de Angola.

O projecto da extensão da linha férrea do Corredor do Lobito foi seleccionado entre os 40 projectos de investimentos europeus e norte-americanos, no valor global de cerca de mil milhões de dólares, em infra-estruturas de transportes.

Também em 2023, o Porto do Lobito, uma das infra-estruturas que integram o Corredor do Lobito, passou a Porto Senhorio, após a assinatura do contrato de concessão do terminal polivalente (carga geral e contentorizada) com a Africa Global Logistics.

Agora, o Porto do Lobito deixa de funcionar como operador de manuseamento de carga e descarga de contentores, cabendo esta missão ao sector privado, que assumirá a gestão dos seus principais terminais, tal como estabelece o programa de concessão do Corredor do Lobito.

Com a concessão da exploração por 20 anos do terminal polivalente a favor da África Global Logistics, prevê-se que o Porto do Lobito terá uma gestão profissional regida pelas práticas internacionais do sector, capazes de transformá-lo num dos melhores e mais eficientes portos da África Austral.

Outras conquistas do ano

Também este ano, Benguela ganhou um Complexo Administrativo do Governo Provincial de Benguela, para onde foram transferidos vários Gabinetes Provinciais, entre os quais os da Educação, da Acção Social, Família e Igualdade de Género e do Instituto Nacional da Criança (INAC).

Composta por nove blocos, dos quais cinco concluídos, numa primeira fase, a nova estrutura acolhe ainda os Gabinetes Provinciais do Ambiente, Gestão de Resíduos e Serviços Comunitários, dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, dos Registos, da Modernização Administrativa e dos Transportes, Tráfego e Mobilidade Urbana, da Cultura, Turismo Juventude e Desportos e o da Saúde.  

No domínio industrial, o sector registou, ao longo do ano, um crescimento de 51 empresas, elevando o número de unidades industriais para 846, sendo 465 no ramo alimentar, 312 ligeiro e 69 na indústria pesada, consolidando assim a posição de Benguela como segundo maior parque industrial do país, a seguir a Luanda.

O grupo empresarial privado Adérito Areias anunciou o arranque, previsto para Março de 2024, da fábrica de concentrado de tomate da comuna do Dombe Grande, município da Baía Farta, com capacidade de processamento de 150 toneladas/dia.

Trata-se de uma unidade fabril, concluída há nove anos, que tem em vista a transformação de tomate em massa ou polpa, e integra o Complexo Agro-Industrial do Dombe Grande, tal como um entreposto frigorífico e uma fábrica de latas para serem usadas como embalagens.

Outro destaque de 2023 tem a ver com a inauguração da primeira agência regional do Fundo de Garantia de Crédito (FGC), no município do Lobito, que surge para facilitar o acesso ao crédito a micro, pequenas e médias empresas.

A facilidade de crédito é extensiva aos agricultores, aos familiares e às cooperativas nas províncias de Benguela, Cuanza Sul, Huambo e Bié.

Sector produtivo oscilante

Benguela fechou o ano com uma produção (ainda provisória) de 53 mil e 18 toneladas de pescado de várias espécies capturadas, até Setembro de 2023, mais 5.221 toneladas em relação ao igual período de 2022.

Em sentido inverso evoluiu a indústria do sal, com a província líder nacional deste sector a produzir 102 mil e 696 toneladas, de Janeiro a Setembro deste ano, menos 34 mil e 180 toneladas do que no mesmo período de 2022.

Evolução do sector social

O ano de 2023 testemunhou a apresentação do Plano de Desenvolvimento Provincial de Benguela para 2024-2027, que inclui uma carteira de 707 projectos de iniciativa local, sendo 164 em curso, 538 novos e cinco paralisados, num orçamento acima dos 285 mil milhões de kwanzas.

O referido plano, apresentado pelo governador provincial de Benguela, Luís Manuel da Fonseca Nunes, à classe empresarial local, prevê, entre outros, a construção, a partir de 2024, de mais 231 novas escolas do ensino primário e secundário de sete, 12, 20 e 24 salas, no âmbito dos projectos de iniciativa local.

No sector da educação, Benguela registou o aumento no acesso à educação básica, com a construção e reabilitação de novas unidades de ensino, com particular destaque para o Instituto Politécnico BG 0030 “António Satito”, com 21 salas de aulas.

Estas unidades vão atender, em dois turnos, a partir de 2024, mil e 680 alunos do ensino secundário, na comuna do Biópio, município da Catumbela.

Ainda este ano, o Programa de Construção de Salas de Aulas em Escolas já Existentes, de iniciativa do Governo Provincial, concluiu 21 salas definitivas em duas escolas primárias de chapas, na periferia de Benguela, beneficiando 1.600 alunos que, agora, têm melhores condições de aprendizagem.

A continuidade do Programa das Obras de Infra-estruturas Integradas dos municípios do litoral da província de Benguela, com foco na melhoria das vias de comunicação, facilitando não apenas o tráfego rodoviário, mas também promovendo a integração e o acesso a serviços essenciais, foi outro destaque do ano.

Fez também eco o anúncio do Governo de construir e apetrechar cerca de 136 unidades sanitárias, com destaque para dois hospitais regionais - um no município do Cubal, para atender a região sul da província de Benguela, postos e centros de saúde para aproximar os serviços de saúde junto das populações.

À procura de aumentar a taxa de electrificação para 90 porcento, na província de Benguela, as autoridades anunciaram, este ano, o reforço da produção de centrais térmicas e híbridas, incluindo redes de distribuição de energia nas sedes municipais, comunais e nos bairros.

No domínio do abastecimento de água, trouxe alento aos habitantes o renovar do compromisso das autoridades de ver reforçada a distribuição de água potável às cidades do litoral da província de Benguela, em 2024, através da reposição da capacidade da Estação de Tratamento de Água (ETA) do Luhongo.

Com capacidade para bombear 1,5 metros cúbicos por segundo, a ETA do Luhongo tem apenas disponíveis 0, 5 m3/segundo e, por isso, o Governo prevê recuperar a capacidade nominal do sistema instalado.

Esta acção deverá contar com o suporte do Programa Integrado de Obras Emergenciais do litoral, orçado em 415 milhões de euros, permitindo assim mitigar o actual défice no abastecimento de água.

Depois do Chongoroi, Caimbambo e Cubal, com 121 mil e 853 agregados familiares contemplados com cerca de nove mil milhões de kwanzas, o Programa de Fortalecimento da Protecção Social (Kwenda) seguiu, este ano, para o município da Ganda.

Nessa localidade, perto de 51 mil famílias desfavorecidas começaram a ser cadastradas para poderem beneficiar, brevemente, das transferências sociais monetárias, o equivalente a 66 mil kwanzas semestralmente para cada agregado familiar.

Ainda no domínio social, a província registou a entrada em funcionamento de passes sociais para transporte público (GIRAMAIS), emitidos pela Empresa Nacional de Bilhética Integrada (ENBI) a favor de estudantes de seis escolas do ensino primário, I e II ciclos, situadas no município de Benguela.

A reinauguração do bloco operatório da Maternidade do Hospital Geral de Benguela e do banco de urgência do Hospital Geral do município do Lobito, com novas valências para melhorar o atendimento à população, também foi facto marcante durante o ano.

Fez também eco a campanha de cirurgias grátis, no âmbito do projecto "Muenho", desenvolvido, desde 2010, pela associação Kimbo Liombembwa – Aldeia da Paz para a Criança”, durante a qual oito médicos vindos da Alemanha operaram 37 pacientes, na sua maioria crianças, ao lábio leporino e à fenda palatina, no Hospital Geral de Benguela (HGB).

Ainda no domínio social, destaque em 2023 para o lançamento de duas carruagens clínicas do Projecto Tata Uhayele, equipadas com consultórios de pediatria, clínica geral, ginecologia-obstetrícia e oftalmologia, farmácia e um laboratório, que levaram assistência médica aos aldeões da recôndita aldeia de Calenguer, na comuna do Wiyangombe, município de Caimbambo, província de Benguela.

Iniciativa da Fundação Ngana Zenza para o Desenvolvimento Comunitário- FDC, sob a égide da primeira-dama da República, Ana Dias Lourenço, o Projecto Tata Uhayele visa prestar cuidados primários de saúde às comunidades vulneráveis ao longo do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), em parceria com o Ministério dos Transportes.

Ambiente de desporto

Já no sector do ambiente, foi destaque a assinatura de protocolo de cooperação para implementação de quatro ecopontos - sendo duas na cidade de Benguela e igual número no Lobito - para reciclagem e reutilização de resíduos sólidos, na província de Benguela, pelas empresas Refriango, Coca-Cola e ONG's Guardiões da Costa Muangolê e For Afrika.

Outro marco foi a realização, pela primeira vez, na província de Benguela de uma exposição itinerante sobre as viagens do explorador húngaro László Magyar (1818-1864) ao Planalto do Bié, na época pré-colonial, numa iniciativa da Embaixada da Hungria em Angola.

No capítulo do desporto, Benguela voltou a centralizar as atenções dos aficionados do basquetebol ao acolher, a 11 de Novembro de 2023, a disputa da Supertaça "Vlademiro Romero", conquistada pelo Petro de Luanda, ao vencer o Interclube, por 93-87. JH/IZ 





+