Maria Borges critica falta de união entre os fazedores de moda

     Entrevistas           
  • Luanda     Quinta, 08 Julho De 2021    14h47  
Maria Borges, Modelo Internacional
Maria Borges, Modelo Internacional
Alberto Julião

Luanda – A modelo Maria Borges, a residir em Nova Iorque, Estados Unidos da América, é um dos nomes mais sonantes da moda angolana, nos últimos dez anos. Pela sua vasta trajectória, quase que não restam dúvidas, na classe, em relação a este estatuto.

Por António Neto

Única angolana a participar na Semana da Alta-costura de Paris e em todas as semanas oficiais do Circuito Internacional de Moda: París, Milão, Londres e Nova Iorque, a artista concedeu uma grande entrevista à Angop, para falar do seu percurso e a da sua visão do país.

Durante a conversa, conduzida pelo jornalista António Neto, Maria Borges, uma da seis modelos negras seleccionadas para o último desfile da prestigiada marca Dior, aborda o estado da moda em Angola, fala da suas conquistas e dos novos desafios da carreira, particularmente dos projectos enquanto embaixadora do turismo angolano.

A modelo afirma, nessa entrevista, que Angola tem talentos com potencial para se imporem na moda, mas considera haver poucos apoios aos profissionais do sector, além da falta de união entre os fazedores de moda, situações que espera ver ultrapassadas.  

"Estou no mercado da moda há mais de 10 anos e acho que não há união. Existem pessoas com boas iniciativas para fazerem melhor, mas existe pouco apoio", expressa a modelo, cuja entrevista integral se transcreve a seguir:  

Angop: Maria Borges é um dos nomes da moda angolana que mais se evidencia no mundo, nos últimos anos. Faça-nos, antes de mais, uma breve apresentação enquanto artista. Como começou a sua carreira de modelo?

Maria Borges (MB): O meu percurso no mundo da moda começou em Luanda, em 2010, com a participação na primeira edição do concurso Elite Model. Daí surgiram várias oportunidades, que me catapultaram até onde hoje me encontro.

Angop: Como vai parar à Europa e a partir de que momento acreditou estar pronta para conquistar as passerelles mundiais?

MB: Logo após a participação no Elite Model Look Angola, eu recebi uma oportunidade da agência Step Model e comecei a dar os primeiros passos na Europa. Graças a Step Model, na altura em Lisboa, fui para Nova Iorque, depois visitei Paris, Milão, Londres, Brasil e China.   

Angop: Pelo seu percurso, parece ser uma artista muito viajada e com múltiplas experiências. Ao longo desses anos, que trabalhos marcaram a sua carreira?

MB: A nomeação como primeira embaixadora do turismo angolano. Estar nessa posição é marcante, na medida em que o meu país terá mais contacto com o trabalho que faço, para além das conquistas lá fora.

Angop: Falando em conquistas, há quem diga que os fazedores de moda em Angola precisam de mais investimentos, formação e matéria-prima, para ganharem o mundo. Como a Maria Borges avalia o mercado da moda nacional?

MB: Estou no mercado da moda há mais de 10 anos e acho que não há união. Existem pessoas com boas iniciativas para fazerem melhor, mas existe pouco apoio. Como modelo internacional, já me deparei com situações do género e decidi que, em alguns eventos nacionais, antes de ser nomeada tinha que ser contactada, pois me sentia aflita e como se estivesse a “lutar” com uma outra colega. Não é essa mensagem que quero passar para outras meninas, desde então nunca mais fui nomeada (…).

Angop: Acredita ser esta uma das razões que levam Angola a ter um número tão reduzido de modelos a singrarem pelo mundo?

MB: Há muitos nomes a darem cartas no mercado. Temos a Amilna Estêvão, Blésnya Minher, entre outras, que começam a ser referência no país. Antes do meu surgimento, o mercado nacional contava com top models. Estou a tentar dar o meu contributo, com a minha empresa “The Star Management”. Vou tentar seguir o mesmo caminho das agências locais, e dar oportunidade a outros angolanos.

Angop: É comum, muitas vezes, ouvir-se falar de racismo nos maiores mercados da moda. A Maria Borges já sentiu alguma vez essa dita discriminação?

MB: O racismo vem de pessoas que não estão bem informadas, que querem baixar a nossa auto-estima. Somos todos humanos, de cores diferentes, e isso é que nos torna espaciais. Já me deparei com situações, principalmente por causa do cabelo, mas soube tirar o melhor proveito.

Angop: Pode partilhar um pouco mais desses momentos?

MB: Já encontrei um padrão que moda. Tinha que me enquadrar nele e, de alguma forma, tentar mudar este padrão para melhor. Foi aí que desfilei pela primeira vez com o cabelo curto, pela Victoria's Secret, e com isso mudei a história, porque muitas meninas e outras marcas abraçaram a ideia do cabelo natural. Naquela época, começou a onda do cabelo natural e hoje as meninas sentem-se bonitas de afro.

Angop: A Maria Borges faz sempre referência à Palanca Negra. A que se deve? 

MB: Para acabar com a impressão errada que havia em relação a minha altura. Quando estava no ensino médio, muitos diziam que o meu trabalho seria trocar lâmpadas. Naquela altura, frequentava o curso de ciências físicas e biológica e questionava-me sobre a razão de trocar lâmpada, se queria fazer medicina, sem desprimor para os electricistas. Muitos diziam ainda que parecia esparguete. Anos passaram-se e o bullying voltou de outra forma, devido a minha altura. Passei a ouvir muito a frase: és muito alta. Aos meus 23 anos de idade, decidi que tinha de me safar do bullying. Sinto muito orgulho da minha altura e tem resultado lá fora. Entretanto, olhei para a Palanca Negra Gigante, o nosso símbolo nacional, e disse que vou começar a usar a Palanca Negra como referência para a minha altura. Olhando para mim, sendo malanjina (de Malanje), alta, negra e gigante, há uma semelhança. Aí passei a dizer às pessoas que sou a Palanca Negra Gigante, na versão humana, e o bullying reduziu.

Angop: Mudando de assunto, acaba de ser indicada Embaixadora do Turismo em Angola. O que isso representa para uma artista que já quase ganhou o mundo?

MB: Ser nomeada embaixadora do turismo é uma oportunidade para que possa, de alguma forma, ajudar o meu país, sobretudo numa área que precisa de ser explorada, bem como procurar transparecer a beleza nacional além-fronteira, aproveitando o momento para juntar o útil ao agradável e passar o que temos de infra-estruturas.

Angop: Quer trazer a público como e quando recebeu o convite para fazer parte desse projecto das autoridades angolanas?

MB: O convite surgiu este ano, devido a um trabalho que fiz, voluntariamente, com a minha equipa, em Novembro de 2020, em que exaltávamos as nossas rainhas zungueiras. Decidimos ir ao São Paulo entrevistar as mamãs e saber mais sobre a sua história. Para lá estarmos, precisávamos de ter autorização da administração do Sambizanga, a fim de conseguirmos fazer o trabalho. Na altura, o actual administrador do Cazenga, Tomás Bica, olhou para o projecto e disse que estávamos no bom caminho. Logo depois, recebi o convite do director do Instituto para Fomento do Turismo, Afonso Vita, aceitei e disse que já estava à espera. 

Angop: Que ideias tem em carteira para ajudar a promover a marca Angola, enquanto Embaixadora Angolana do Turismo?

MB: Com esta oportunidade do Ministério da Cultura Turismo e Ambiente, pretendo dizer aos meus contactos que o país está aberto para o investimento e visitas.

Angop: Já conta com alguma parceria para o início desta longa jornada?

MB: Creio que já existem muitos, mas detalhadamente não posso aqui avançar. 

Angop: Pode, ao menos, partilhar as suas prioridades neste quesito, uma vez que tem outros compromissos profissionais a cumprir?

MB: As prioridades são as visitas às províncias, para constatarmos o potencial turístico, conhecermos os hábitos do povo e procurarmos ver o que está bom e o que se deve ser melhorado.

Seguem-se encontros com os operadores e, posteriormente, um encontro internacional destinado a divulgar as nossas potencialidades turísticas.

Angop: Uma vez que falamos de Angola, e estando a viver longe da terra Pátria, como olha para este novo país que procura afirmar-se em África, mas tem ainda enormes desafios por vencer?

MB: Apesar das consequências provocadas pela pandemia da Covid-19 e outras situações pela crise económica e financeira, a visão é positiva. Hoje em dia, ter um pão à mesa é gratificante, mas é necessário que as pessoas se preparem para os momentos menos bons, como o que estamos a passar. Fico triste quando nós, angolanos, tentamos derrubar o nosso próprio país. Se não formos nós a levantar Angola quem o vai fazer? Por vezes, em Nova Iorque, falam que o teu país é corrupto, isso dói no coração. Por vezes queres responder, mas é preciso ter cautela e mostrar que existem muitas e outras coisas de valor (…).

Angop: Voltemos a falar da sua carreira, tal como o fizemos no começo desta conversa. Só por curiosidade, que peças não podem faltar no seu guarda-roupa?

MB: Com certeza um vestido bonito e confortável. Gosto muito de blazer, de vestir clássica confortável.

Angop: Pode revelar-nos algum truque de beleza?

MB: Truques de beleza são vários, mas beber muita água ajuda a cuidar da pele, para manter o brilho.

Angop: O que recusaria fazer no seu trabalho?

MB: Penso que dar  um falso testemunho, fazer falsas promessas ou fingir ser uma outra pessoa que não sou.

Angop: Já se sente realizada?

MB: Realizada, ainda. Vou sentir-me assim depois de mostrar trabalho neste programa “Junto e Todos pelo Turismo” e tentar mudar alguma coisa para melhor. Estou muito feliz, mas realizada ainda.

Angop: O mundo da moda é conhecido pela sua instabilidade, uma vida de altos e baixos. Já pensou em accionar um plano B?

MB: Como o mundo da moda é volátil, procuro não só me dedicar à moda, como também aposto no ramo empresarial. Quanto ao plano B, é saber o que realmente amas. Quando tens talento, visão e foco aparece sempre alguma coisa para fazer, não exactamente aquilo que queres, mas haverá uma direcção para seguir em frente.

Angop: Que projectos tem desenvolvido?

MB: Para além da moda, procuro realizar actividades solidárias. Neste momento estou a trabalhar para constituir a minha fundação, denominada “One touch”, um toque de Solidariedade.

Angop: O que faz nos seus tempos livres?

MB: Conversar com os jovens. Gosto quando me chamem para uma palestra. Recentemente tive o prazer de visitar o município do Cazenga e dialogar com os jovens. Foi brilhante. No momento não estava tão preparada para tal, mas consegui passar a minha experiência de forma natural. Espero regressar e levar pessoas de referência que temos nos vários sectores.

Angop: Como a família lida com a sua carreira, uma vez que vive no estrangeiro?

MB: Sempre tive o apoio da família nas decisões que tomei sobre a carreira. Tem sido difícil ficar distante, mas o momento assim impõe. Temos é que nos adequar e matar a saudade nos momentos de férias ou pausa. 

Angop: Para terminarmos essa conversa, uma palavra de apreço aos seus fãs, em particular, e a todos os angolanos, de Cabinda ao Cunene, em geral?

MB: A todos seguidores e fãs muito obrigado. Para todos os angolanos, estamos juntos, muita força. E atenção, não pôr o nosso país para baixo. Está mal, mas vamos pensar positivo, não deixemos que as coisas negativas atrapalhem o foco do desenvolvimento.

Sobre a Modelo

Maria Borges nasceu em 28 de Outubro de 1992, na província de Luanda. Entrou no mundo da moda como concorrente no Elite Model Look Angola 2010, e deu os seus primeiros passos na agência Step Model, onde foi, durante um ano, o rosto da empresa de cosméticos Pérola Negra. Foi considerada uma das dez modelos mais novas a ter em conta pela models.com. Venceu, em 2011, o Supermodel of the World Angola.

Teve uma breve e bem sucedida passagem pela Moda Lisboa e pelo Portugal Fashion, e conquistou agências dos Estados Unidos, em 2012, com a confirmação de 17 desfiles na sua primeira participação na NY Fashion Week.

Assumiu contrato com a Givenchy no decorrer da Paris Fashion Week.

Desfiles para Givenchy, Jean Paul Gaultier, Kenzo, Pacco Rabanne, Tom Ford, Oscar de la Renta, Monique Lhuillier, Zac Posen e MaxMara, campanhas para a Tommy Hilfiger e Forever 21, nos EUA, e um editorial na Vogue Itália comprovam o estatuto de "Top Model Internacional" de Borges.

Actualmente, Borges é mais conhecida por participar nos desfiles da Victoria's Secret, onde desfilou em 2013, 2014,2015 e em 2016, onde fez história por ser a primeira modelo negra a usar o seu cabelo natural, transformando-se na "única modelo angolana a desfilar por 3 vezes consecutivas no Victoria's Secret Fashion Show.
 



Tags



Fotos em destaque

Mais de três mil famílias na massificação da produção de trigo no Bié

Mais de três mil famílias na massificação da produção de trigo no Bié

Quinta, 14 Março De 2024   22h43

Administração da Ganda (Benguela) entrega gado aos criadores afectados por descarga eléctrica

Administração da Ganda (Benguela) entrega gado aos criadores afectados por descarga eléctrica

Quinta, 14 Março De 2024   22h35

INAC denuncia exploração de crianças em pedreiras do Lubango

INAC denuncia exploração de crianças em pedreiras do Lubango

Quinta, 14 Março De 2024   21h55

Novas vias desafogam tráfego no Zango (Luanda)

Novas vias desafogam tráfego no Zango (Luanda)

Quinta, 14 Março De 2024   21h48

Aumento de crimes provoca superlotação na cadeia de Cacanda na Lunda-Norte

Aumento de crimes provoca superlotação na cadeia de Cacanda na Lunda-Norte

Quinta, 14 Março De 2024   21h43

Província do Bengo quer reactivar produção do café robusta

Província do Bengo quer reactivar produção do café robusta

Quinta, 14 Março De 2024   21h38

Lunda-Sul tem 17 zonas turísticas catalogadas

Lunda-Sul tem 17 zonas turísticas catalogadas

Quinta, 14 Março De 2024   21h33

Serviço de estomatologia volta a funcionar 14 anos depois em Cangandala (Malanje)

Serviço de estomatologia volta a funcionar 14 anos depois em Cangandala (Malanje)

Quinta, 14 Março De 2024   21h29

Afrobasket poderá colocar Angola na rota do turismo continental

Afrobasket poderá colocar Angola na rota do turismo continental

Quinta, 14 Março De 2024   21h26

Cadeia do Nkiende em Mbanza Kongo produz cerca de quatro toneladas de milho

Cadeia do Nkiende em Mbanza Kongo produz cerca de quatro toneladas de milho

Quinta, 14 Março De 2024   21h19


+