“Os nossos custos de produção de arroz são altos” – Agrónomo Carlos Camuti

     Entrevistas           
  • Lunda Sul     Sexta, 12 Novembro De 2021    09h41  
Município de Luquembo tem grande potencial para produção de arroz (Arquivo)
Município de Luquembo tem grande potencial para produção de arroz (Arquivo)
Leonardo Castro

Saurimo - O engenheiro agrónomo angolano Carlos Camuti afirma, em entrevista à ANGOP, que o relançamento da produção de arroz será determinante para projectar, a médio e longos prazos, o desenvolvimento da província da Lunda-Sul.

Por Silvina Lembeno

Durante a conversa, o especialista lembra que este produto já foi considerado, até aos anos 80, a principal produção agrícola da Lunda-Sul, sublinhando haver condições para voltar a tornar a localidade num grande produtor deste cereal.

Nesta entrevista, o agrónomo fala do potencial agrícola da província, do seu clima e dos solos propícios para a produção de arroz, trazendo números que revelam esta parcela do território ter sido um verdadeiro “celeiro” dessa cultura na década de 80.

Carlos Camuti declara que o arroz produzido na Lunda-Sul, além de servir o mercado angolano, era exportado para a Europa e a sua produção envolvia 80 por cento das famílias que residiam nas zonas rurais.

Revela, igualmente, segredos do sucesso da produção do cereal há 40 anos e aponta soluções para que o programa de relançamento do cultivo de arroz não se transforme em ilusão. 

Eis a entrevista na íntegra: 

ANGOP: O Leste, em particular as províncias da Lunda-Sul e Lunda-Norte, é conhecido pelo seu potencial diamantífero. Mas há relatos de que a Lunda-Sul, por exemplo, já foi grande produtora de arroz nos anos 80. Fale-nos um pouco dessa época e das experiências que se ajustam ao actual contexto. 

Carlos Camuti (CC) – A cultura do arroz foi implantada no antigo distrito da Lunda, antes da independência nacional, pela administração colonial portuguesa, devido às condições dafoclimáticas (relativo ao solo e clima) que a região tem e chegou a ser a principal mascote agrícola da Lunda-Sul.  Na altura, a administração colonial portuguesa montou, dentro da cadeia, todos os elementos indispensáveis, ou seja, por um lado, estava a administração com instituições que forneciam os insumos e estabeleciam os programas; por outro, no meio da cadeia, estavam as famílias obrigadas a produzir e,  posteriormente, os industriais e comerciantes que garantiam o escoamento do cereal. A actividade era acompanhada pelas autoridades tradicionais e pelos capatazes agrícolas, ou seja, agrónomos que definiam uma área específica para cada família, onde fosse possível cultivar arroz, e tudo funcionava em harmonia. 

ANGOP: Quais eram as zonas de produção naquela altura?

CC –  Esta cultura era desenvolvida nos municípios de Dala, Muconda e Saurimo, mas o maior centro de produção de arroz era na actual comuna do Mona Quimbundo, em Saurimo, por possuir mais áreas com solos propícios para desenvolvê-la. 

ANGOP: Na verdade, quem eram os grandes produtores? 

CC – A administração colonial portuguesa obrigava as famílias residentes em zonas onde era possível produzir o arroz a cultivar meio hectare de terra, e pelo menos 80 por cento da população local esteve envolvida. Também existiam algumas empresas que produziam em grande escala no Mona Quimbundo. 

ANGOP: Quais eram os níveis de produção? 

CC – Até finais da década 70 e início dos anos 80, cultivava-se cerca de cinco mil hectares de terra e os níveis de produção por família rondavam os 800 a 120 quilos por hectares. As famílias e/ou a população local, como não tinham o hábito alimentar do arroz, esse cereal apenas servia em situações raras, como lanche. Pelo menos 99 por cento da produção feita naquela altura ia para o comércio. O povo alimentava-se de mandioca e feijão. 

ANGOP: E qual era o mercado? 

CC- Por incrível que pareça, naquela altura, o arroz produzido na Lunda-Sul era escoado para todo o país e satisfazia a demanda, porque, antes da independência nacional, Angola tinha mais ou menos 10 milhões de habitantes, e o que se produzia cá abastecia o mercado nacional. A outra parte da produção era exportada para alguns países da Europa, e o resto servia para a subsistência alimentar das famílias. 

ANGOP: Qual era o segredo para o sucesso naquela altura? 

CC - O arroz é uma cultura que só faz sentido desenvolvê-la se houver indústrias. Não basta produzi-lo, é preciso que, logo a seguir, haja alguém disponível para poder descascar, branquear, embalar e comercializar. E quem fazia descasque naquela época não eram as famílias camponesas, como acontece agora, era um outro grupo industrial. Quem fazia a comercialização eram os chamados comerciantes do mar, ou seja, toda esta cadeia funcionava na altura, por isso o projecto teve o sucesso que teve.

A administração portuguesa obrigava a que cada família produzisse meio hectare de terra e disponibilizava sementes, fertilizantes, instrumentos de trabalho e apoio técnico. Quem fazia a colheita eram os comerciantes que pegavam no arroz e transportavam para  as zonas de armazenamento. Por exemplo, em todos os municípios e nalgumas comunas, existiam armazéns que eram só para armazenar o cereal.

Havia, na Lunda-Sul, dois operadores industriais que se dedicavam exclusivamente ao descasque do arroz produzido. Tudo isso e mais outras questões técnicas e de logística contribuíram para o sucesso. 

ANGOP: Quais eram os métodos usados para o cultivo? 

CC – Os métodos eram, maioritariamente, manuais. As pessoas usavam os seus próprios instrumentos de trabalho para fazer as valas de drenagem dos solos, e depois a administração colonial portuguesa fornecia as sementes e os fertilizantes aí onde fosse necessário. Os grandes agricultores, que eram maioritariamente portugueses, já usavam mecanização agrícola em todos os domínios. A sementeira era feita em Outubro, e as colheitas eram de Março a Abril. As variedades usadas eram fundamentalmente o arroz agulha e o carolino. 

ANGOP: Mas, afinal, o que tem falhado para que o arroz, produto essencial na dieta dos angolanos, volte a ser a principal produção agrícola na Lunda-Sul?   

CC –  O arroz é daquelas culturas que, para serem implementadas, exigem que se cumpram todas as regras acima enumeradas. Depois da nossa independência, o que não conseguimos fazer foi manter todos os segmentos da cadeia, ou seja, deixaram de existir os comerciantes, as indústrias e um programa estruturante e abrangente que consiga juntar todos os intervenientes neste processo. Existiram programas, mesmo depois da independência, para o relançamento do cultivo do arroz, mas, como não estava montada uma cadeia bem estruturada, por um lado um Estado a fornecer os insumos às famílias, por outro os comerciantes e industriais, não foi possível recuperar até hoje. Precisamos de perceber que o arroz é uma cultura mais complexa de ser cultivada, tem regras agronómicas, tempo de cultivo a ser respeitado e merece acompanhamento técnico rigoroso. Por isso, em todas as aldeias, o trabalho era acompanhado por capatazes agrícolas que instruíam as famílias a cultivá-lo, para que houvesse maior rendimento. 

ANGOP: Sente que há vontade, da parte do Governo, de relançar esta cultura? 

CC – Sim. Contudo, para se alcançar o sucesso, é preciso respeitar todas as regras que enumerei, ou seja, tem de estar de um lado o Estado ou a Direcção da Agricultura, com disponibilidade de ter os insumos e as sementes melhoradas, e, por outro, no meio da cadeia, as famílias, porque existem, aprenderam e sabem cultivar.

Deve haver a outra componente fundamental, que são os industriais e os comerciantes, porque só cultivar não basta, é necessário criar-se uma cadeia, tem de haver descasque do arroz. Não temos comerciantes vocacionados para ir buscá-lo a partir do produtor, nem indústrias de descasques. Sem estas componentes, é impossível relançarmos essa cultura, como tivemos antes da independência.

Um dos grandes problemas que temos na implementação destes programas é compreender que os nossos custos de produção são altos, porque não produzimos instrumentos agrícolas, fertilizantes, sementes; temos dificuldades de fazer assistência técnica, uma vez que não há quadros suficientes em número e qualidade, temos problemas de vias de acesso, tanto que o arroz não se cultiva em qualquer lugar. Outro problema está relacionado com a questão do mercado. Infelizmente, não existe em Angola ou nunca foi estabelecido um preço de referência para os produtos produzidos localmente. 

ANGOP: Mas os solos da Lunda-Sul ainda podem render? 

CC Do ponto de vista do solo e do clima, a Lunda-Sul tem ainda potencial para a produção de arroz e é dos melhores que o país tem.   

ANGOP: Se há vontade política e pessoas disponíveis, o que falta? 

CC - Não conseguimos atingir as metas preconizadas até hoje, pois não interiorizamos que um programa como este requer recursos financeiros que permitem implementar todos os elementos necessários para o funcionamento da cadeia.

 ANGOP: Para além destas questões, que outras soluções podem ser apontadas? 

CC – Precisamos de formar quadros para fazer assistência, melhorar as vias de acesso, criar escolas de campo e centros de experimentação para formar novos produtores e incentivar as famílias a voltar aos campos. É necessário fazer-se pesquisas, consultando antigos produtores, saber como era feita a produção, levar o assunto para uma discussão ampla e montar um programa que funcione. 

ANGOP: Que recado gostaria de deixar às autoridades angolanas e às famílias camponesas, no sentido de fazer da Lunda-Sul, a breve trecho, um grande mercado de produção de arroz, como no passado? 

CC –  Apenas gostaria de reiterar a necessidade de se começar a projectar as províncias do Leste, sobretudo a Lunda-Sul e a Lunda-Norte, para um futuro sem diamantes. Precisamos de apostar mais na agricultura, no turismo e noutros sectores com políticas concretas e bem estruturadas, visto que os diamantes são recursos esgotáveis. 

Perfil

Carlos Camuti, natural do município da Ganda, província de Benguela, tem 59 anos de idade, é casado, licenciado em Agronomia e especializado em Extensão Rural e Desenvolvimento Comunitário.

O engenheiro agrónomo vive na cidade de Saurimo (Lunda-Sul) há 30 anos, foi director provincial da Agricultura de 1994 a 2010 e, actualmente, exerce a função de assessor do governador Daniel Neto.

 





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