Preparação dos Jogos Olímpicos foi uma missão hercúlea - António Bambino

     Entrevistas           
  • Luanda     Sábado, 24 Julho De 2021    16h28  
António Bambino fala sobre preparação aos Jogos Olímpicos
António Bambino fala sobre preparação aos Jogos Olímpicos
Marcelino Camões

Luanda – O secretário-geral do Comité Olímpico Angolano (COA), António Monteiro "Bambino", afirmou, em Luanda, que a delegação de Angola está pronta para disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio, Japão, a decorrerem de 23 de Julho a 8 de Agosto, apesar de alguns contratempos, concretamente de índole financeira.

Por Marcelino Camões

Em entrevista exclusiva à Angop em véspera do embarque faseado da delegação ao evento, o antigo nadador detalha os bastidores da preparação da missão angolana, que esteve mergulhada em enormes dificuldades, algumas das quais envolvendo atletas e órgãos directivos.

Nessa conversa, o responsável aborda, sem tabus, as várias nuances de um trabalho que considera difícil e complexo, revelando números, sucessos e insucessos, afirmando-se, ainda assim, confiante numa presença digna de Angola em Tóquio.  

Além da participação nas olimpíadas, Bambino fala, nesse diálogo com o jornalista Marcelino Camões, do seu sonho pessoal de dar, no futuro, autonomia financeira ao COA, de modo a não depender do apoio do Estado.

Discorre, igualmente, sobre outros assuntos que, não sendo da responsabilidade da organização de que faz parte, enfermam o desporto nacional.

A implementação do desporto escolar como caminho para o auto rendimento, a aplicação, de facto, dos projectos de desenvolvimento e a necessidade de ver o desporto como um investimento e não como despesa são, entre outras, preocupações avançadas.

Eis a íntegra da entrevista:

ANGOP: Para começo de conversa, faça, antes de mais, uma abordagem geral sobre a preparação da missão angolana aos Jogos Olímpicos?

António Monteiro (AM): A missão para Tóquio esteve muito tremida devido a ausência de financiamento por parte do Estado. Tendo em conta os diversos compromissos, implicava uma melhor organização da nossa parte, para que as coisas corressem melhor devido os prazos não cumpridos com origens unicamente na componente financeira.
Já foi feito o envio das embarcações da vela para Tóquio, mas estiveram no Porto de Luanda quase um mês, à espera de embarcar. Esta situação pode resultar em transtornos caso não cheguem ao local da competição em tempo útil.

ANGOP: Existe um plano B?

(AM): Sim, caso o material chegue tarde, a ponto de não ser utilizado, vai implicar accionar o plano B, que seria procurar localmente outras embarcações, uma a motor para o técnico e outra de competição para o atleta, com custos além daqueles que já se incorre.

ANGOP: Quanto custa uma embarcação de competição?

(AM): Devo dizer que o COA gastou Euros 30 mil de um fundo próprio para adquirir as duas embarcações e todo o material de competição, como sistema de comunicação, velas, mastros, entre outros.

Os custos da transportação rondam os USD dez mil, que não são definitivos, porque a regresso das embarcações ao país deve orçar mais ou menos o mesmo valor. O total pode chegar aos USD 18 mil de Luanda e para Luanda.
Com as verbas disponíveis mais cedo, sem pressa e procurando as melhores rotas, ainda que mais longa, porque não teríamos pressa, pagar-se-ia à volta de USD sete mil.

ANGOP: Quanto às outras modalidades, quais são os valores envolvidos?

(AM): No caso das individuais, os custos são mais suaves. Na natação, o atleta Salvador Gordo parte (já partiu) da Rússia, onde frequenta um centro de alto rendimento, e Catarina Sousa (em Londres) parte (já partiu) directamente para o palco da competição.

Os atletas, de acordo com as regras de controlo da pandemia, não poderão estar na Vila Olímpica mais do que cinco dias antes, devendo abandona-la no máximo 48 horas depois de competirem. Os testes da Covid -19 serão diários.

A equipa de andebol está desde o dia 12 na cidade de Tamana (já se encontra em Tóquio), no quadro de um acordo com as autoridades locais, rubricado em Março deste ano, para um estágio de adaptação ao fuso horário.

ANGOP: Como está constituída a missão angolana aos jogos?

(AM): A delegação de Angola é composta por 39 pessoas – 21 atletas, 13 oficiais, o presidente e o secretário-geral, que não entraram todos juntos na Vila Olímpica. A vela entrou dia 20, o andebol dia 22, a natação e atletismo dia 23. A chefia da missão já lá se encontra desde domingo (dia 19).

ANGOP: No total, em quanto está orçada a participação de Angola?

(AM): O COA apresentou um orçamento de Kz 300 milhões, não incluindo o basquetebol masculino, mas, infelizmente, tal como aconteceu nas últimas duas edições, a verba foi disponibilizada tardiamente (Junho) e isto implica a duplicação dos custos.

ANGOP: Como assim duplicação dos custos?

(AM): Se as embarcações fossem enviadas em Março, os preços seriam completamente diferentes dos actuais. No momento, comprou-se os bilhetes acima dos Kz 2 000 000 00 e 300 mil, quando as primeiras reservas andavam à volta dos 700 mil.

Foram, finalmente, disponibilizados Kz 260 milhões, dos 300 milhões solicitados, agora insuficientes perante os custos actuais. Teremos de fazer recursos a mais Kz 100 milhões dos patrocinadores, para colocar Angola em Tóquio com alguma dignidade.

Estes transtornos não teriam lugar caso as verbas fossem disponibilizadas com um ano ou mais de antecedência, situação que um dia venha a ocorrer caso o COA consiga autonomia financeira que permita participar nos Jogos Olímpicos sem necessitar da intervenção do Estado.

ANGOP: Como o COA conseguiria a autonomia que referiu?

(AM): Com uma boa equipa de marketing e publicidade, com os apoios que pode receber do COI através de candidaturas a programas específicos feitos ao longo e não no último ano do quadriénio, maximizando os patrocinadores actuais e captando outros.

Impõe-se a necessidade de o COA ter esta autonomia, porque, enquanto isto não acontecer, haverá sempre o problema de organização e financeiros, impedindo respostas às necessidades impostas pelo próprio processo.
Por exemplo, já estamos a trabalhar com a equipa que vai organizar os jogos de 2024 em Paris, (França). Já temos correspondência e já estamos a cumprir formalidades por exigência da própria organização.

ANGOP: A qualificação do basquetebol masculino implicaria outros valores?

(AM): Exacto, precisar-se-ia de um acréscimo de Kz 100 milhões para bilhetes de passagens, equipamentos de treino e competição, seguro, exames médicos, perfazendo Kz 460 milhões no total, já próximo do orçamento apresentado ao Ministério da Juventude e Desportos.

ANGOP: É como quem diz, ainda bem que os campeões africanos estão de fora!

(AM): Risos.

ANGOP: Brincadeira à parte, com essas dificuldades, a missão será a possível?

(AM): Devido a exiguidade de verbas, a missão não estará no máximo da sua força. Vários serviços serão prescindidos, como a ausência de sala particular para tratamento, como ocorreu nas edições passadas. Comparativamente às anteriores missões, esta está a ser muito difícil.

Tendo em conta os condicionalismos que apresentei, diria mesmo que tem sido a mais difícil de todas.

ANGOP: Qual tem sido a contribuição do Governo desde Moscovo´1980?

(AM): Temos de ser justos. Já houve, no passado, apoios na totalidade dos valores solicitados pelo COA, como nas edições de Atenas´2004 e Pequim´2008, mas a partir da dição de Londres´2012 começou a ser diferente, também devido a crise financeira mundial.

Nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, os valores foram disponibilizados quando a delegação já estava na Vila Olímpica.

Na altura  alocou-se Kz 100 milhões pelo que o COA acresceu, com valores dos patrocinadores, mais Kz 300 milhões.

Entendemos ser obrigação do Estado pagar a missão, mas nós, enquanto organizadores, também percebemos o momento, bem como a necessidade de contribuir.    

ANGOP: O COA tem patrocinadores personalizados ou essa luta é constante?

(AM): Eu diria que tem sido uma luta e um desafio permanente. Existem patrocinadores fixos que não cobrem nem de longe e nem de perto às necessidades e socorremo-nos de parceiros pontuais para suprimir o défice no orçamentos. O nosso principal patrocinador continua a ser o COI.

Além das verbas alocadas para os Jogos Olímpicos, agora também para os Jogos Africanos, o COA não beneficia de outra rubrica de dotação financeira por parte do Governo.

No passado, recebia cerca de cinco milhões por ano, mas há mais de uma década que isto não acontece. Portanto, todos os custos anuais, permanentes, diários da instituição como salários, alimentação, transporte e comunicações são feitos com fundos próprios.

ANGOP: Pode-se falar em objectivos competitivos nos Jogos Olímpicos?  

(AM): Podemos falar que no andebol sim, tem objectivos competitivos. O nosso andebol consegue jogar de forma equilibrada com qualquer equipa do mundo e pode vencer. Nesta altura é a única selecção com ambição de passar a uma segunda fase da sua competição. Num passado recente já aconteceu com a canoagem, que passou às meias-finais nas edições de Pequim e Londres, modalidade que não se qualificou desta vez.

A natação e o atletismo, em termos realistas, tendo em conta as marcas dos atletas, neste momento não têm outra ambição que não seja estabelecer recordes nacionais, sendo tudo que se exigi a cada um dos atletas.

No Judo, a atleta campeã africana poderá, eventualmente, passar da primeira fase, e como a competição é muito difícil, já será um bom ganho se vencer ao menos um combate.

Há outros ganhos, como a visibilidade dada à dimensão do evento, número de participantes e exposição nas médias, além de contratos que podem ser estabelecidos porque o mundo inteiro tem mais de 20 milhões de atletas, mas só dez mil chegam aos jogos.

Já tivemos casa de Angola para vender culturalmente o país, mas deixamos de ter desde as edições de Atenas, China e Sidney dada a exiguidade de verbas – os outros fazem com regularidade.

ANGOP: De que depende os resultados competitivos nos jogos?  

(AM): Depende do melhoramento da nossa organização interna, a todos os níveis, de todos os intervenientes no desporto do topo à base. A organização também implica finanças, sem organização, bases e sem infra-estruturas não se faz desporto.

É preciso corrigir todo o sistema desportivo e tudo isto faz parte de um plano de desenvolvimento até 2025, que levou tempo para ser concebido e produzido, mas lamentavelmente o nosso país produz muitos documentos e não implementa, sendo esta a maior dificuldade.

Fala-se desporto escolar há muitos anos, mas não existe esta base de desenvolvimento para uma maior quantidade de atletas nas diferentes modalidades e nos diferentes clubes para municiar o auto rendimento.    

POR DENTRO

António Monteiro “Bambino” é engenheiro químico, casado e pai de três filhos. É um profundo conhecedor do desporto angolano.

Cargos nacionais de destaque - Vice-presidente e secretário-geral do COA. liderou, durante 14 anos, a Federação Angolana de Natação.

Cargo Internacional  de destaque - Em 2017 foi eleito, em Joanesburgo (África do Sul), membro da Comissão Executiva da Região 5 da Associação dos Comités Nacionais Olímpicos de África (ACNOA)

Jogos Olímpicos - Integrou a primeira delegação olímpica “Moscovo´1980”.

Como membro do COA - Tem-se batido pela melhoria dos apoios financeiros do Estado para o Desporto.

Sonho - Ver Angola nos carris, onde o conhecimento prevaleça sobre a cunha e o compadrio. Ao nível desportivo, ajudar a conseguir autonomia financeira.

Estudo e Desporto - Uma coisa não invalida a outra. É possível conciliar.

Modalidade de eleição - Natação

Álcool - Bebeu pela primeira vez aos 30 anos de idade.





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