Crendices provocam mortes no Uíge

Venda de medicamentos no Mercado Municipal do Uíge
Venda de medicamentos no Mercado Municipal do Uíge
ANGOP

Uíge – Apesar do registo de mortes, devido ao uso de medicamentos de origem ervanária sem comprovação científica, a venda e o seu consumo continua a ganhar espaço na província do Uíge e no país.

(Por Jaime Reais)

Folhas, cascas de árvores, raízes ou suas misturas são apregoadas por qualquer “vendedor de banha de cobra” como curativas das mais diversas doenças, mesmo aquelas cientificamente apontadas como incuráveis.

Para outras são atribuídas capacidades de suplementos nutritivos ou estimulantes sexuais. Do pobre ao rico e do iletrado ao “doutor”, há sempre quem busca nesses “remédios” solução para as suas doenças.

Um novo “léxico” patológico surgiu. A famigerada “tala”, uma moléstia supostamente causada por preparos na base do ocultismo, que provoca inchaço, lacerações ou erupções cutâneas, geralmente nos membros inferiores.

O incrível é que a sua aceitação é transversal ao estatuto social. Há muita gente que padece desta doença e procura solução em curandeiros.

A norma, no entanto, defende que os medicamentos tradicionais, naturais, assim como os convencionais só devem ser administrados mediante prescrição de pessoal especializado (médico convencional, naturopata ou terapeuta tradicional). Essa orientação existe para evitar desfechos desagradáveis, às vezes fatais.

Os hospitais registam com frequência casos de intoxicação por uso inadequado de medicamentos tradicionais, até meninas (adolescentes) aparecem com infecções vaginais avançadas, por uso de tampões tradicionais, alegadamente para curar ou estreitar “alargamentos”.

Recentemente, no município de Negage, província do Uíge, um indivíduo de 26 anos (na sua plenitude sexual) morreu depois de ter ingerido uma raiz desconhecida, que supostamente aumentaria o seu desempenho sexual.

Não é o primeiro caso de uso de medicamentos tradicionais sem a orientação de terapeutas que leva a morte de pessoas ou provoca outras consequências. No entanto, o desespero supera a razão e muita gente acredita no poder terapeuta dessas ervas e misturas, uma boa parte das vezes elaboradas por charlatães.

Prova disso é a procura desses supostos medicamentos. Mais de 30 vendedoras de medicamentos naturais e tradicionais, no mercado municipal do Uíge, expõem mussunda, jicuacua, londolondo, jipeve, kinuimba, casca de imbondeiro, pele de mulungu, raízes e velas vermelhas e brancas.

Sem formação clínica, as vendedoras dizem atender diariamente 10 a 15 pessoas com diabetes, dores de estômago, gastrite, reumatismo, hemorróides, febre tifóide, cólicas menstruais excessiva e irregular, ejaculação precoce e impotência sexual, doenças que supostamente são curadas com medicamentos à base de raízes e cascas de plantas.

Isabel Simão, vendedora há nove anos, defende que a composição da raiz de mussunda com Jicuacua e Jimpeve tem efeito positivo no tratamento de inchaços e dores lombares e musculares. As raízes londolondo e nzolamiongo são utilizadas para o tratamento de impotência sexual e dores de coluna, ao passo que a composição da raiz kinuimba com pedra de faísca, baladiagansa afugenta maus espíritos e o “mau-olhado”, alega.

Vendedora há 20 anos no mercado municipal, Isabel Alberto diz que as velas vermelhas, pretas e azuis servem para impedir as tentações malignas, já a mistura da raiz de mulongo elimina a febre tifóide.

Para alegadamente aumentar o prazer sexual, revela que faz uma mistura de pó verde, amarelo com o “pau da palavra” e o “tira dúvida”.

Em relação à origem destes produtos, Isabel Alberto indica que são dos municípios do Bungo, Maquela do Zombo, Negage, na província do Uíge, assim como do Zaire e Benguela, onde se desloca para os adquirir.

Utilizadores elogiam raízes medicinais

Usuários de medicamentos tradicionais, na cidade do Uíge, dizem ser eficazes para o tratamento de diabetes, dores de estômago, gastrite, reumatismo, hemorragias, febre tifóide, impotência sexual e outras doenças.

Apesar disso, desaconselham o seu uso sem orientação de terapeutas e de naturopatas, para se evitar mortes, entre outros constrangimentos causados pela automedicação.

Exemplo é Maconda Ernesto que procurava raízes medicinais para a cura de dor de coluna, confiante na solução de ver melhorado o seu problema.

António Domingos, consumidor de raízes medicinais desde a infância, recomenda cuidado na dosagem para evitar intoxicação.

Já Isabel Luís adianta que a solução da infecção urinária e dor de estômago, de que padecia há vários anos, foi superada com o uso de raízes medicinais, adquiridas no mercado municipal do Uíge e em clínica natural, mediante orientação de terapeutas e naturopatas.

O que dizem os terapeutas tradicionais A responsável da Associação de Terapeutas Agrícola Nutry Ervas no Uíge, Florinda André Luís, apelou às pessoas a contactar terapeutas e estudiosos de plantas medicinais, antes do uso dos medicamentos tradicionais/naturais, para se evitar mortes e intoxicação.

Concordou que muitos dos medicamentos são importantes para o tratamento de diabetes, reumatismo, hemorragias, febre tifóide, hemorróidas, entre outras patologias, mas sempre sob orientação de especialistas.

Consequências da medicina alternativa

No entanto, nem sempre o uso da medicina alternativa tem um desfecho positivo. Há registo de mortes e outras consequências para o resto da vida.

As “talas”, que a medicina convencional conhece por celulite, e o abcesso dentário lideram as doenças que causam morte e outras consequências em pessoas que primeiro procuram tentativa de cura com métodos tradicionais e só no pior cenário recorrem aos hospitais.

O abcesso dentário, conhecido por quissongo na província do Uíge, é um dos males que mais mata na região como consequência da preferência do tratamento tradicional.

Depois de a infecção encontrar-se num estágio quase irreversível é que o doente busca assistência no hospital convencional. Anualmente, o Hospital Provincial do Uíge (HPU) atende milhares de pacientes nos serviços de estomatologia, depois de recorrerem às consultas tradicionais para o tratamento do “quissongo”.

O responsável da área de Estomatologia do HPU, William Ngondo, informa que 90 por cento dos cinco mil e 95 pacientes atendidos em 2021 procuraram, inicialmente, por tratamento tradicional.

O registo de 2021 superou o de 2020, ano em que a unidade sanitária atendeu três mil e 803 pacientes com abcesso dentário, maioritariamente, já em estado grave, por perderem tempo no tratamento tradicional, lamenta.

Por essa razão, afirma que, do total de 821 pacientes internados no HPU, em 2021, 147 acabaram por perder a vida, superando as 14 mortes registadas num total de 522 pacientes internados em 2020.

Os municípios do Uíge, Maquela do Zombo, Damba, Mucaba, Songo, Puri e Negage são as localidades que mais transferem pacientes ao HPU, já em estado terminal, para o tratamento de flegmão/abcesso dentário.

A falta de higiene bucal é a causa principal para o surgimento dessa doença. A ignorância sobre o tratamento convencional da patologia é uma das razões que fazem as pessoas buscarem tratamento tradicional, quando as unidades sanitárias conseguem dar resposta a essa doença.

Para contrapor o aumento de casos, o médico diz estar a trabalhar com a Direcção Provincial da Saúde no sentido de pôr em funcionamento a área de estomatologia nas demais unidades sanitárias da província, bem como no aumento de técnicos especializados na área.

“Tala”, realidade ou embuste?

Na área de ortopedia do HPU, uma média de 10 pessoas por semana recorrem ao tratamento de celulite, vulgarmente denominado por “gimbaso”, “tala” ou “mina tradicional” (feitiço).

A maioria dos pacientes recorre inicialmente ao tratamento tradicional. A ANGOP soube do internamento de um professor que, tendo as pernas inchadas, recorreu ao tratamento tradicional, no município da Damba (Uíge), mas sem sucesso.

De 32 anos de idade, depois de dois meses de tratamento tradicional, esse doente viu a sua situação agravar-se: a perna, que apenas estava inchada, agora tem os principais ossos expostos (fíbula, fémur e a tíbia).

O paciente explica que tudo começou no mês de Setembro de 2021 quando, ao sentir dores intensas e um inchaço na perna direita, recorreu ao HPU, onde, depois do diagnóstico, foi recomendada uma cirurgia.

Diante desse cenário, “preferi recorrer ao tratamento tradicional, fui ter com um curandeiro que disse tratar-se de tala”, conta.

A partir daí, começaram os tratamentos à base de folhas, raízes, barros entre outros medicamentos, explica.

Passados dois meses de tratamento tradicional, a perna estava a ficar “sem carne” e os principais ossos à vista.

Diante da situação, teve de regressar ao Hospital Provincial do Uíge, no último mês de Dezembro, para dar segmento ao tratamento.

O paciente deverá ser transferido para Luanda, devido à gravidade da situação.

Arrependido da decisão tomada, o professor aconselha as pessoas a recorrer às unidades sanitárias, ao contrário do tratamento tradicional.

A chefe da pequena cirurgia do HPU, Kiameso Paulina João, refere que o facto de muitos pacientes recorrerem inicialmente ao tratamento tradicional tem agravado o seu estado clínico, quando são problemas que se poderiam resolver rapidamente nas unidades sanitárias.

Os técnicos de saúde aconselham a população a abster-se do tratamento tradicional e procurar resposta na medicina convencional.

Desmistificando a “tala”

De acordo com a medicina convencional, a “tala”, que as crendices atribuem a suposta origem maléfica, é uma celulite, ou seja, infecção bacteriana aguda da pele e tecido subcutâneo, geralmente causada por estreptococos (micróbio que produz a erisipela e outras doenças) ou estafilococos (micróbio do grupo dos cocos cujos indivíduos estão agrupados em cachos e produzem o furúnculo, o antraz, a osteomielite e a septicemia).

Segundo o Manual MSD, um site para profissionais de saúde, com esta doença, a barreira da pele geralmente fica comprometida. Os estreptococos podem causar infecções difusas de rápida disseminação por causa das enzimas produzidas pelos organismos que rompem os seus componentes celulares e restringem a inflamação.

A celulite estafilocócica é tipicamente mais localizada e, em geral, ocorre em uma ferida aberta ou abcesso cutâneo. A maior parte das vezes atacam os membros inferiores.

Sintomas da Celulite

De acordo com o mesmo site, sinais e sintomas são dor, calor, eritema (congestão cutânea) que se alastra rapidamente e edema (tumor seroso que cede à pressão dos dedos).

O diagnóstico baseia-se na aparência. Culturas podem ajudar (exames laboratoriais), mas não se deve adiar o tratamento com antibióticos, à espera desses resultados. A cura é garantida com tratamento no momento oportuno.





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