Famílias lutam pela inclusão escolar

Complexo escolar de ensino especial no Namibe
Complexo escolar de ensino especial no Namibe
Anabela Manzambi

Luanda – Todos os anos, em véspera do início do calendário lectivo, milhares de pais e encarregados de educação de crianças e adolescentes com necessidades especiais "lutam" por uma vaga em instituições especializadas do país, que, apesar dos investimentos do Estado, ainda se são insuficientes.

Por Márcia Manaça

Um dos motivos do habitual corre-corre é o desejo dos pais de oferecerem aos filhos condições favoráveis para o processo de aprendizagem, previstas nos programas de inclusão escolar.

Trata-se de um processo que, segundo alguns progenitores, se tem revelado complicado,  fundamentalmente pelo facto de muitas escolas credenciadas pelas autoridades não disporem de "condições técnicas" avançadas para a prestação cabal destes serviços.

O processo de inclusão escolar em Angola começou a dar os "primeiros passos" em 1979, mas só em 2017 efectivou-se com a elaboração e aplicação da Política Nacional de Educação Especial, orientada pelo Decreto n.º 187/17, de 16 de Agosto.

Dados indicam que em 2020 foram matriculados 42 mil e 586 alunos, dos quais 22 mil e 786 estudam em escolas especiais. Os demais estão nas do ensino geral.

Em concreto, existem, actualmente, 22 escolas especiais e mil 895 salas inclusivas em Angola, além de 286 intérpretes de língua gestual formados pelas autoridades nacionais, para dar resposta a um problema que continua a tirar o sono a pais e alunos.

É o caso de Neide Sampaio, mãe de uma criança de 11 anos que padece de autismo. Como centenas de mães, a cidadã tem estado triste por não conseguir, até ao momento, matricular o seu filho numa escola pública de ensino especial e por não dispor de condições financeiras para inscrevê-lo numa instituição privada que preste esse serviço.

"Eles (privados) cobram cerca de 180 mil kwanzas/mês de propina", desabafa Neide Sampaio, que almeja ver alargada a rede de salas de inclusão em todos os municípios.

De igual modo, Pedro Parente luta há muito para assegurar melhores condições de ensino à filha, de 24 anos, que apresenta deficiência auditiva, detectada aos quatro.

Apesar de ter conseguido matriculá-la numa escola pública, onde frequenta a 11.ª classe, o pai apela às autoridades para abrirem mais instituições de ensino especial ou salas de inclusão, a fim de facilitar o enquadramento dos alunos nesta condição.

Segundo Pedro Parente, outro problema é a falta de facilidade destes cidadãos no acesso aos passes reservados para os transportes públicos.

Entretanto, afirma que a inclusão da filha tem sido positiva, na medida em que já não depende de terceiros para desenvolver as suas valências de flexibilidade e criatividade.

"Ela evoluiu por ter tido a sorte de, há sensivelmente um ano, conhecer uma professora com a mesma deficiência, que passou a ajudá-la", expressa o encarregado de educação.

Graças à escola especial, a menor comunica-se por meio da linguagem gestual e labial.

Tal como Pedro Parente, Eurídice da Conceição cuida de um filho com necessidades especiais. Segundo a mesma, o adolescente, de 14 anos de idade e portador de síndrome de Down, tem melhorado as suas habilidades com o processo de inclusão social.

A cidadã reconhece ser necessário, para além da escola, a participação da família no processo de integração e adaptação dessas crianças na escola, para se obter sucesso.

No caso do seu filho, a adaptação foi lenta, devido ao tempo que levou para ter acesso à escola, onde entrou apenas com quase 10 anos de idade.

"Foi necessário mudar, muitas vezes, a metodologia das aulas e adicionar matérias e falas visuais, imagens coloridas, tintas, entre outras coisas. Várias vezes, tive de me dirigir à escola, para ajudar o professor a adaptar a estratégia", testemunha.

Eurídice conta que foi necessário muito trabalho de estímulo. "A escola deve possuir materiais ou instrumentos de trabalho concretos para essa adaptação. As matérias devem ser repetidas várias vezes, por longos períodos, de forma a despertar interesse", afirma.

Entretanto, avança que um dos problemas das crianças com síndrome de Down é o cumprimento de ordens e regras, levando cerca de um ano e meio para conseguir quebrar a resistência.

A propósito das reclamações e pedidos dos encarregados de educação, o director do Instituto Nacional de Educação Especial, Fernando Sobrinho, recorda que, embora já se tenham dado alguns avanços, o processo requer trabalho redobrado.

"É preciso ter noção de que é algo que se vai desenvolvendo ao longo dos tempos, pois requer formação adequada, pessoal capacitado para entender as dificuldades de cada deficiência, diálogo, disponibilidade e envolvimento da sociedade e da família", declara.

O responsável lembra que há legislação no país sobre o processo de inclusão, sublinhando que o Estado garante e trabalha para facilitar a todas as pessoas o acesso ao Sistema Nacional de Ensino.

"Angola tem como meta a transformação do sistema de ensino num sistema inclusivo, em que, efectivamente, todos os alunos possam conviver numa mesma escola e as escolas especiais se transformem em laboratórios.

O processo visa assegurar o direito de acesso à educação de qualidade, com destaque para o ensino público", comenta.

Segundo o director, a política orienta que as escolas especiais sejam transformadas em núcleos de apoio às escolas que acolhem alunos com deficiência.

Tendo em conta a experiência acumulada, explica, devem melhorar o apoio pedagógico às escolas de inclusão, dar formação aos professores, analisar as questões de avaliação e mobilizar serviços específicos, como o atendimento educativo especializado.

Fernando Sobrinho afirma ainda existir um défice de professores, fundamentalmente na área da deficiência auditiva, pois têm como linguagem primeira a gestual.

Para o efeito, foi elaborado um Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação Especial, na perspectiva da inclusão. O plano, com duração de 10 anos (2019-2030), prevê a realização de um conjunto de acções que congregam programas de formação.

A ideia é disponibilizar serviços e recursos para que os alunos com deficiência tenham acesso ao processo de ensino-aprendizagem sem constrangimentos.

Transversalidade da educação especial

A promoção da transversalidade da educação especial, fazendo que haja aumento do número de pessoas com deficiência em todos os subsistemas de ensino, é um dos principais objectivos do Ministério da Educação (MED) para os próximos anos.

Fernando Sobrinho considera necessário haver alunos especiais em todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao secundário, e, consequentemente, acesso a alguma profissão.

Para o responsável, isto passa pelo apoio das famílias, em particular, e da sociedade, em geral.

De acordo com o director, a grande maioria já estuda em escolas especiais, mas ainda com turmas especiais integradas e inclusivas, porque tudo passa por um processo.

A priorização das classes especiais é para alunos com deficiência auditiva e intelectual, por serem mais trabalhosas para um aprendizado exitoso.

Garantir acessibilidade do meio físico de informação e comunicação, bem como língua gestual do braille é outra das muitas metas  do MED.

O MED disponibiliza, anualmente, material pedagógico específico, para que um maior número de alunos possa ter acesso ao processo de ensino-aprendizagem.

 

 



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