Seca afecta 102 mil famílias no Cunene

Famílias no meio rural
Famílias no meio rural
José Cachiva

Ondjiva – A seca, fenómeno cíclico na província do Cunene, volta a afectar este ano 102 mil e 206 famílias, que sentem os reflexos da fome, apesar da estratégia de resposta do Executivo, assente na construção de projectos estruturantes.

Por António Tavares

Como plano de curto prazo e emergencial, o Governo montou uma estratégia de assistência atempada, que tem evitado danos maiores para as pessoas e animais.

Para alimentar as famílias, o Governo já adquiriu, este ano, mil 507,849 toneladas de produtos, dos quais mais de mil 373 já foram distribuídos.

Ao contrário dos anos anteriores, as vítimas do fenómeno natural concentraram-se em três centros de acolhimento, nos municípios da Cahama, Ombadja e Namacunde, perfazendo um total de sete mil 386 pessoas deslocadas.

Entre eles, o mais referenciado, por apresentar um nível de vulnerabilidade mais acentuado, é o Centro de Deslocados da Cahama, que alberga três mil 720 pessoas.

Numa reportagem pelos três municípios, a ANGOP constatou que este ano o Cunene alberga (na Cahama) 852 pessoas saídas dos municípios do Gambos (Huíla) e Virei (Namibe). A nível local são das comunas de Otchinjau e município do Curoca.

O detalhe é que estas populações idas das províncias da Huíla e do Namibe já haviam sido recolhidas pelos respectivos governos, mas acabaram por regressar.

Há também grande concentração de pessoas na comuna do Calueque (Ombadja) e Namacunde, mas com grau de vulnerabilidade menos intenso.

A primeira é uma zona ribeirinha do rio Cunene com muitas fazendas, onde as famílias encontraram emprego, ainda que precário, para aumentarem a base da sua autosustentação, para lá da ajuda que recebem do Governo.

Já em Namacunde, há facilidades por ser uma região limítrofe com a República da Namíbia, onde frequentemente as famílias buscam subsistência.

Porém, é o município da Cahama, cujo centro de acolhimento foi denominado pelos “inquilinos” de “Vila Alice”, o epicentro da problemática da fome, na medida em que depende única e exclusivamente da ajuda do Governo e dos parceiros.

Porém, a estratégia em termos de assistência é igual em todos os locais de concentração.

Cozinhas comunitárias e outros serviços para subsistência

A configuração da Vila Alice começou com a construção, sob responsabilidade do Governo, de pequenas habitações à base de chapas de zinco e tendas para as famílias.

No centro estão montadas 25 cozinhas comunitárias que servem duas refeições por dia (almoço e jantar), à base de arroz, feijão, pirão, peixe, frango, entre outros.

As cozinhas são suportadas por um armazenamento de  produtos, sob responsabilidade de uma comissão constituída por habitantes do centro.

O trabalho, que inicia de madrugada, é assegurado por mulheres escolhidas entre a população, que têm a missão de cozinhar e efectuar a distribuição.

Para combater a má nutrição, a Ong Visão Mundial serve, todos os dias a partir das 6h00, papas nutritivas para mais de 1500 crianças e idosos. O abastecimento de água é garantido por dois tanques, além de um sistema localizado a escassos metros do centro.

Eva Muakembe, jovem mãe solteira de dois filhos e uma das cozinheiras diz ser uma tarefa árdua confeccionar alimentos em panelas “gigantes”, mas a motivação de trabalhar para o bem do próximo, principalmente crianças, torna a tarefa fácil.

Há seis meses no centro, agradece a pronta intervenção do governo em socorrer as vítimas da seca, pelo facto de as famílias ficaram sem qualquer mantimento, em função do fenómeno natural que, grosso modo, já se arrasta desde 2019.

O responsável do centro, Domingos Tomás, também ele deslocado, regozija-se com os esforços do Governo na disponibilização de meios de subsistência.

“Nunca dormimos à fome”, confirma o interlocutor da  ANGOP o cidadão, pai de 29 filhos, com três mães, todos concentrados no local.

Indiana Mateus, mãe de seis filhos, sublinha também o empenho do Governo e parceiros, que tem minimizado o sofrimento das famílias.

No centro foram ainda montados um sistema de abastecimento de água e um posto médico, cujo funcionamento é assegurado por dois enfermeiros.

Em declarações à ANGOP, o enfermeiro João Isaías disse que a malnutrição e o paludismo são as doenças mais frequentes, e solicitou o reforço do abastecimento do posto em termos de medicamentos para que o combate às enfermidades seja efectivo.

Uma estratégia nova e célere

Para o comandante dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros, o subcomissário-bombeiro, Paulo Raimundo Calunga, em relação aos anos anteriores, a estratégia está a ser a mais célere possível.

Todos os bens são recepcionados pelos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros e daí distribuídos aos municípios afectados.

Nesses municípios há armazéns de passagem onde é feita distribuição sem burocracia para que o atendimento às famílias necessitadas seja rápido.

Confirmou que, desde o início do ano, esta assistência tem sido contínua, quer do Governo central, quer do local, bem como de parceiros.

A primeira intervenção veio da Casa Civil da Presidência da República e, de lá para cá, tem havido aquisições regulares de maneira que haja permanentemente assistência às populações até que a situação conheça dias melhores.

“Grosso modo, estão criadas as condições assistenciais durante o período todo que a situação obrigar a isso”, sublinhou.

Para Paulo Calunga, o nível de estratégia que foi montado para assistência é diferente e melhor porque há uma maior disponibilidade em termos de meios.

Por exemplo, a outra melhoria é a possibilidade que há de se abastecer urgentemente aí onde é necessário, porque foram disponibilizadas, pelo Executivo, quatro camiões de marca Kamaz e outros meios, que conformam melhoria no sistema de funcionamento.

“Não temos horas para trabalhar e não medimos esforços. Com o passar dos anos ganhamos outras experiências para acudir situações do género. As pessoas estão bem localizadas, catalogadas e conhecêssemos o grau de vulnerabilidade de cada uma”, disse o comandante ao confirmar o nível de prontidão.

Daí que as pessoas são assistidas de forma pontual, por isso há uma melhoria substancial em relação aos anos anteriores.

 Gado protegido

 Se, em 2019, o fenómeno matou mais de 72 mil cabeças de gado bovino nos corredores de transumância, devido à escassez de água e pasto, este ano o quadro é mais positivo.

Segundo o administrador municipal da Cahama, José Mário Katiti, este ano os criadores anteciparam-se e conduziram o gado os municípios do Cuanhama, Ombadja, Cuvelai e Namacunde onde ainda há pasto e água, principalmente nas margens dos rios Cunene e Cuvelai, bem como nos bebedouros acoplados aos furos de água.

Nesta perspectiva, disse que se assistiu um movimento, para estas localidades, de 12 mil 721 cabeças de gado bovino, 23 mil 536 caprinos, quatro mil 122 ovinos e 46 de asno.

Porém, informou que foi contabilizada a morte de 80 cabeças de gado,  mas o surgimento das primeiras chuvas dão esperança da manutenção do efectivo, hoje muito reduzido em consequência da seca dos anos anteriores.

Entretanto, durante a semana finda caiu chuva em quase todos os municípios que têm problema da seca, como o Curoca e Cahama, confirmou o Comandante dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros, Paulo Calanga.

Portanto, se as chuvas forem regulares nos próximos dois meses as pessoas vão voltar a trabalhar e criar auto suficiência alimentar.

Mesmo assim, haverá a necessidade de assistência contínua, porque do período do cultivo até a colheita leva ainda alguns meses.

As pessoas vão ganhando cada vez mais consciência de que é preciso introduzir na cultura das famílias o consumo de outro tipo de alimentos, como tubérculos (mandioca e batata doce), por serem mais resistentes à estiagem e constituírem-se numa reserva alimentar para longo tempo.

O massango e massambala, principais culturas da região, são de sequeiro e quando não há chuva, entram logo em estado de vulnerabilidade.

Cunene tem um ciclo de três ou quatro anos com cheias e outro com seca, seguindo-se um período de transição.

De 2019 para cá, a província registou as piores secas dos últimos 35 anos, a julgar pelas consequências.

Desde aquela época, só houve temperaturas acima dos 35 graus durante o ano todo, sendo que actualmente não foge à regra. Desde Setembro, por exemplo, as temperaturas só variaram de 36 a 40 graus e isso ainda se mantém.

A esperança é que haja boas chuvas para que o solo consiga conservar águas superficiais. A não ser assim, em Março a dificuldade vai agudizar-se para o gado e quando há uma situação que afecta os animais as famílias entram em dificuldades porque são essencialmente agro pastoris.  

Para a garantia da subsistência, requer-se que haja três anos de boas chuvas ou seja que rondam os 400 a 600 mm.

Retrospectiva

Até  2007, as famílias tinham celeiros de massango e muita criação de gado, mas em 2008 há cheias que duram quatro anos que danificam as reservas e degradam  as culturas por excesso de água, bem como provocam a morte do gado por doenças.

Porém, de 2008 até aqui, a província ainda não teve um clima que propiciasse um grau de sustentabilidade para as sobrevivências das famílias do meio rural, que compreendem 80 por cento da população.

De 2013 a 2019, o clima foi caracterizado por seca e estiagem, sendo a mais crítica a de 2019.  Assim sendo, todo este período não houve produção que fosse capaz de repor a capacidade que as famílias tinham até 2007.

Não havendo esta capacidade de reposição, as famílias começaram a perder o seu principal activo que é o gado, por morte e vendas injustas.

As consequências que as famílias vivem aos longos dos anos deram também origem à actividade de fabrico do carvão até então ignorada, implicando o abate indiscriminado de árvores, que tem consequência na diminuição das chuvas e degradação dos solos.

Para reverter o quadro, voltar-se à primeira forma e acabar-se definitivamente com as consequências da seca, o Executivo definiu, para longo prazo, cinco projectos estruturantes, dos quais um está em execução há um ano, dois arrancaram há duas semanas e os restantes aguardam pelo início.





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