Mundo comemora 23 de Agosto, Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição

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  • Luanda     Domingo, 22 Agosto De 2021    08h31  
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Museu da Escravatura em Luanda.
Museu da Escravatura em Luanda.
(Arquivo) Angop
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Vice-presidente do grupo parlamentar do MPLA, Manuel da Cruz Neto
Vice-presidente do grupo parlamentar do MPLA, Manuel da Cruz Neto
Henri Celso

Luanda – O mundo comemora, a 23 de Agosto, o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição, declarado pela Assembleia-Geral da ONU, em 2004.

 

 

Por João Gomes Gonçalves/ANGOP

O dia tem sido uma oportunidade para se aprofundar a reflexão sobre o legado da história da escravidão e consciencializar o mundo sobre os preconceitos raciais desenvolvidos para justificá-la, que continuam a alimentar a discriminação, os estereótipos e o racismo quotidianos contra as pessoas.

Os artigos 4.º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 5.º (da Carta Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos) e 8.º (do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos) dizem que “Ninguém pode ser mantido escravo ou em servidão; a escravatura e o tráfico de escravos, sob todas as formas, são proibidos”.

 

O tráfico transatlântico de escravos em Angola

A edição n.º 67 da Revista Austral, da TAAG, que cita Aurora da Fonseca Ferreira, escreve que o tráfico transatlântico de escravos em Angola foi um dos mais longos de que há na memória.

Segundo o periódico, durante mais de três centenas de anos de colonialismo, o espaço territorial de Angola esteve integrado no abominável comércio de escravos transatlânticos, lê-se na revista.

Recorda que, durante o comércio triangular que ligava África, América e Europa, “o continente negro fornecia a mão-de-obra escrava ao continente americano, contribuindo para o seu crescimento, alargamento e desenvolvimento”.

Os estudos da Austral revelam que, ao longo daquele período, pelo menos 100 milhões de angolanos foram vendidos como mercadoria.

Esta força de trabalho escrava alimentava os interesses comerciais europeus, gerando, por sua vez, desenvolvimentos económicos, sociais, tecnológicos, culturais e outros.

De acordo com o mesmo periódico, isto acabou por se reflectir nas relações entre os três continentes (África, América e Europa), continuando, até hoje, a ser polémica nas suas consequências, a partir de estudos demográficos.

Citando Rodney, a revista escreve que tal actividade terá, de igual modo, contribuído para o subdesenvolvimento de África e para o desenvolvimento da Europa, como a consolidação do capitalismo e o incentivo à Revolução Industrial.

Cita também o historiador congolês-democrático Elikia M`Bokolo, como tendo escrito que a venda dos escravos negros de África à América não passou de “migração” como muitas outras, sem grande impacto no desenvolvimento do continente berço.

A venda de escravos de Angola para a América começou no século XVI e só terminou em finais do século XIX.

Mas, nesta empreitada, não se deve descurar o facto de reinos como o do Kongo, Ndongo, Matamba e Kassanje terem participado activamente no tráfico de humanos.

Uns fortaleceram-se, como é o caso da Matamba; outros se afundaram, como é o caso de Kassanje; outros ainda desapareceram, como sucedeu com o Ndongo.

Por isso, a adesão de Angola ao projecto da UNESCO sobre “A Rota dos Escravos” constitui o assumir da sua história e da sua participação na formação de outros “mundos” e na construção do globo.

Anatomia da escravatura moderna

Apesar deste notável progresso da humanidade, visando criar um ambiente jurídico que condene a escravatura, ela ainda subsiste nas suas múltiplas formas.

Mais de 200 anos depois da proibição da escravatura, pelo menos 29,8 milhões de pessoas continuavam submetidas a novas e diversas formas de servidão, conforme um novo índice de classificação de 162 países. São exemplos disso o tráfico de seres humanos, o trabalho doméstico, a exploração sexual, o trabalho forçado em condições de servidão, o trabalho infantil e a escravatura para rituais ou fins religiosos.

 

Conforme a primeira edição do Índice Mundial de Escravatura Global (Slavery Intex) de 2013,  elaborada pela organização australiana de defesa dos direitos humanos “Walk Free Foundation”, o Haiti, a Índia, o Nepal, a Mauritânia e o Paquistão apresentavam a maior prevalência em termos de escravatura moderna. Relativamente a números absolutos, a China, a Etiópia, a Índia, a Nigéria e o Paquistão concentram o maior número de escravos.

 

Na Índia, mais de 14 milhões de pessoas continuam a ser vítimas de escravidão moderna.

Porém, segundo o índice, o fenómeno “continua mal conhecido, por se manifestar em casa, nas comunidades e no local de trabalho”.

Na altura, conforme Gulnara Shahinian, porta-voz especial da ONU sobre as formas contemporâneas de escravidão, incluindo as suas causas e consequências, “a escravidão moderna está sempre presente nas regiões de difícil acesso dos países ou naquilo que é considerado de domínio privado, como é o caso de servidão doméstica”.

“No mundo hodierno, a escravidão subjaz em diferentes formas: o tráfico de seres humanos, o trabalho forçado, a servidão por dívida e a escravização”, com as pessoas a serem vigadas e forçadas a trabalhar contra a sua vontade, enquanto os seus direitos não são respeitados.

Principais formas de escravidão moderna

Referindo-se ao trabalho forçado, a Rede Integrada de Informação Regional (IRIN) informa que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera trabalho forçado ou obrigatório “qualquer trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob ameaça de qualquer pena, e pela qual o referido indivíduo não se predispôs voluntariamente”.

Acontece mais nos sectores não regulamentados, que requerem muita mão-de-obra, como a agricultura e a pesca, a construção, a fábrica, o trabalho doméstico e a indústria do sexo. Um relatório da OIT, de 2013, havia denunciado as condições de vida desumana das pessoas forçadas a trabalhar no sector das pescas.

As pessoas são também submetidas a uma servidão por ameaças físicas ou por dívidas.

Estimativas da OIT calculam em pelo menos 21 milhões de vítimas do trabalho forçado.

A escravidão por dívida

Trata-se de uma escravidão moderna, a mais praticada, segundo a ONG inglesa Anti Slavery International (Antiescravatura Internacional), precisando que ela consiste em exigir “de uma pessoa a trabalhar para o pagamento da dívida, fazendo-lhe promessas falsas, para que aceite trabalhar por pouco dinheiro ou por nada, durante sete dias”.

Segundo Cálculos do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD), existem 1,8 milhões de trabalhadores contratados no Paquistão, principalmente nas fábricas de tijolo, bem como na agricultura, pesca e exploração mineira.

Um relatório da ONU de 2010 constatou que, em várias zonas rurais do Brasil, muitos pobres eram enviados para regiões longínquas por intermediários que lhes prometiam salários elevados e exigiam o adiantamento.

Posteriormente, os trabalhadores eram constrangidos a pagar grandes empréstimos ligados aos custos do transporte e de alimento, sem terem uma ideia clara sobre como a sua dívida ou os seus salários eram calculados. “Tais práticas são similares em Bangladesh”, refere o documento da ONU.

O tráfico de humanos

A Convenção da ONU contra a Criminalidade Transnacional Organizada define o tráfico de seres humanos como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o albergar ou o acolhimento de pessoas”, com a ameaça de recurso à força ou a outras formas de constrangimento, para fins de exploração”.

No Benin, a Organização Internacional de Migrações (OIM) estima que mais de 40 mil crianças são vítimas de tráfico.

O Índice Mundial de Escravidão indica que muitas destas crianças são enviadas pelos traficantes para os países da região e das zonas rurais para as urbanas, no interior de um mesmo país.

O casamento forçado

O casamento forçado acontece quando um indivíduo é casado sem o seu consentimento. A Convenção Suplementar de 1956, sobre a abolição do esclavagismo, considera ilegal qualquer prática em que “uma mulher é, sem o direito de recusar, prometida ou entregue em casamento, a troco de uma contrapartida em espécie ou em bens pagos, aos seus pais ou a uma outra pessoa ou a outro grupo”.

A entrega de uma mulher a um homem em troca de uma remuneração, assim como a prática que consiste em herdar de uma mulher depois da morte do seu marido, são, igualmente, proibidas.

Embora a definição seja explicitamente para as mulheres que são as primeiras vítimas de casamentos forçados, vozes levantam-se para proteger também os homens dessa prática.

A escravidão das crianças

A escravidão e a exploração das crianças, incluindo a utilização de crianças nos conflitos armados, são uma outra forma corrente de escravidão moderna.

Definidas pela OIT, as piores formas de trabalho das crianças compreendem a venda e o tráfico de crianças, o trabalho forçado, a servidão e o recrutamento obrigatório de crianças para serem utilizadas nos conflitos armados.

No Haiti, as crianças dos lares rurais são enviadas para as zonas urbanas para trabalhar como domésticas das casas de famílias ricas e podem ser exploradas.

O Índice Mundial de Escravidão indica que pelo menos uma criança em cada 10 é explorada no Haiti.

Apesar de a escravidão das crianças continuar a ser um problema grave, o número de petizes em trabalho no mundo diminuiu, passando de 246 milhões, em 2000, para 168 milhões, em 2012, segundo a OIT.

A escravidão de posse 

A escravidão de posse é aquela em que um indivíduo considera uma pessoa ou um grupo de pessoas sua propriedade, tendo o poder de as vender. Essa é a forma de escravidão menos corrente. Nesse caso, os proprietários dos escravos possuem as vítimas, mas também os seus descendentes e os indivíduos são sempre escravizados a partir do seu nascimento.

Embora, em 2007, na Mauritânia, a lei tivesse reconhecido o carácter criminal da escravidão, permitindo a libertação de várias pessoas, apenas alguns proprietários de escravos foram declarados culpados por esta prática.

A escravidão de posse continua a ser um grave problema, porque, de acordo com o Índice Mundial de Escravidão, 140 mil a 160 mil pessoas ainda são escravas na Mauritânia.

A proposta para a criação do Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição foi lançada e adoptada pela UNESCO, através da Resolução n.º 29c/1998.

No ano seguinte, ela foi celebrada pela primeira vez, com eventos culturais e debates,  no Haiti e  na Ilha de Goree (Senegal).

Desde 2001, o tráfico e a escravidão são reconhecidos pela comunidade internacional como crimes contra a humanidade.

O Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e sua Abolição foi escolhido em memória da noite de 22 para 23 de Agosto de 1791, quando, há 230 anos, escravos da Ilha São Domingos, no Haiti, se revoltaram contra o sistema de escravidão, dando lugar à independência desse país e ao reconhecimento da igualdade de direitos de todos os seus habitantes.

 





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