Luanda – A inserção de Angola no concerto das nações e o contributo para a eliminação de focos de tensão e de conflitos armados, a captação de investimento estrangeiro e a defesa do multilateralismo nas relações internacionais são alguns dos eixos que marcaram a actividade politico-diplomáticas do país, nos seus 45 anos de Independência.
(Por Rui Vasco, jornalista da ANGOP)
Conformam os pressupostos da experiência acumulada por Angola para a sua inserção firmada e reconhecida no mundo o aprofundamento das relações bilaterais e multilaterais com todos os países, o reforço da cooperação científica e técnica para o desenvolvimento, em condições justas e mutuamente vantajosas, assim como o privilegiar do diálogo e da diplomacia em detrimento de posições musculadas.
Ao longo dos 45 anos da sua existência, Angola teve uma diplomacia muito activa e respeitada. Conquistou, por mérito próprio, um lugar de destaque e com resultados reconhecidos, enquanto duas vezes membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dois mandatos no Secretariado Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo.
Na sua agenda diplomática Angola sempre cooperou com a comunidade internacional na luta contra o terrorismo e as redes criminosas, o branqueamento de capitais, o tráfico de seres humanos e de substâncias psicotrópicas e as grandes endemias.
Outros pontos fortes da agenda diplomática de Angola são a tomada de medidas concretas para enfrentar o aquecimento global e as alterações climáticas, a gestão de dossiers sensíveis relacionados com os tratados internacionais de não proliferação de armas nucleares e a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU).
As reformas na ONU, defendidas por Angola, visam tornar a Organização mais equilibrada e mais justa, relativamente a representação de todos os continentes como membros permanentes do seu Conselho de Segurança, para reflectir melhor a actual realidade geo-política e económica mundial.
Em concreto, Angola defende a posição Africana, que reinvidica dois assentos permanentes para África no Conselho de Segurança.
Uma das preocupações permanentes da agenda angolana é a existência de conflitos, defendendo a resolução dos mesmos pela via pacífica e do diálogo e pugnando por um mundo mais justo e em paz e segurança. Da experiência sobre a matéria resultou o surgimento da “Doutrina Angolana de Resolução de Conflitos”.
Nesta perspectiva, Angola tem procurado centrar a sua acção na promoção de uma agenda internacional de prevenção e resolução de conflitos no mundo, valendo-se da sua experiência nacional e liderança, particularmente num contexto em que o país presidia a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos.
Ainda no capítulo da pacificação e da reconciliação nacional, da integração e inclusão social e no quadro dos esforços e iniciativas de paz Angola tem transmitido a sua experiência no quadro dos esforços e iniciativas de paz e estabilidade na República Democrática do Congo, Burundi, República Centro-Africana e Sudão do Sul.
Na seu discurso de tomada de posse, no dia 26 de Setembro de 2017, o Presidente da República, João Lourenço, disse que Angola continua a pugnar pela manutenção de relações de amizade e cooperação com todos os países e povos do mundo, na base dos princípios de não ingerência nos assuntos internos e da reciprocidade de vantagens, para a salvaguarda da paz, da justiça e do progresso da Humanidade.
Inserção mundial, continental e regional
Desde a proclamação da sua Independência Nacional, no dia 11 de Novembro de 1975, a diplomacia angolana foi sempre caracterizada por um desempenho assinalável, ao integrar as principais organizações politicas, económicas, financeiras e de outra índole, de âmbito mundial, continental e regional.
Assim, Angola tem relações diplomáticas com mais de 150 países e é membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas (ONU) e das várias agências especializadas que integram o seu Sistema, da União Africana e de organizações regionais.
A diplomacia angolana privilegia as relações com os países vizinhos (RDC, Zâmbia e Namibia) e da SADC, importantes para a defesa, segurança e desenvolvimento da região austral de África, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a União Africana, assim como defende uma política de aproximação à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), devido, entre outras razões, as relações históricas com um dos seus membros, a Guiné-Bissau.
No quadro da concertação político-diplomática e económica e da integração regional, Angola integra as Comunidades de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e Económica dos Estados da África Central (CEEAC), a CPLP, a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), o Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), a Comissão do Golfo da Guiné (CGG), a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), os PALOP e a ACP (Grupo África Caraíbas e Pacífico).
Importa destacar que os embaixadores angolanos Gilberto Veríssimo e Georges Chikoti são o Presidente da Comissão da CEEAC e o Secretário-Geral do Grupo ACP.
Relevante também o facto do actual ministro das Relações Exteriores, embaixador Téte António, ter sido conselheiro do Presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, e Observador Permanente da União Africana junto das Nações Unidas.
Actualmente estão representadas no país 19 agências do Sistema da ONU, entre as quais o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os Programas para o Desenvolvimento (PNUD) e Alimentar Mundial (PAM), o Alto Comissariado para os Refugiados (ACNUR) e as Organizações para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), para Alimentação e Agricultura (FAO) e Mundial da Saúde (OMS).
Angola é também membro das Comissões de Direitos Humanos e dos Povos da União Africana e dos Direitos Humanos das Nações Unidas, da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), da Associação dos Produtores de Petróleo Africanos (APPA), dos Bancos Mundial (BM) e Africano de Desenvolvimento (BAD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao ratificar alguns importantes instrumentos passou a participar regularmente da actividade dos Parlamentos da União Africana e da SADC, tendo igualmente ratificado os Protocolos de Livre Comércio em África e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.
Na perspectiva de contribuir para a resolução de questões transversais de interesse global, o país ratificou ou aderiu a vários instrumentos jurídicos relacionados com as alterações climáticas, designadamente o Acordo de Paris e o Protocolo de Kyoto, assim como a Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal (protecção da camada de ozono).
Ratificou e/ou aderiu ainda, entre outros, às Convenções sobre Direitos Humanos, sobre a Redução dos casos de Apatridia, sobre o Estatuto dos Apátridas, sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, contra a Tortura e outras formas de Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, Protocolo facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos com vista à abolição da pena de morte.
Outros são o Protocolo sobre Direito Humanitário (desarmamento), Protocolo II adicional às Convenções de Genebra relativo à protecção das vítimas dos conflitos armados não internacionais e ao Centro Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia, enquanto no domínio da cultura, o Protocolo sobre Património Cultural Imaterial.
Um dos sucessos da diplomacia cultural angolana foi a elevação do centro histórico de Mbanza Kongo a Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO, em Julho de 2017, durante a quadragésima primeira reunião da sua Comissão de Património Mundial, realizada na Polónia.
Acordos bilaterais
No quadro bilateral, ao longo dos 45 anos, foram celebrados acordos em diferentes domínios, entre os quais destacam-se os relatives à Supressão e Facilitação de Vistos com a África do Sul, Guiné-Bissau, Brasil, Cuba, China, Espanha, Rússia, Suíça, Vietname, Coreia do Sul, França, Holanda, Itália, Portugal, São Tomé e Príncipe, Namíbia, Côte d’Ivoire, Zâmbia, Guiné Equatorial, Cabo Verde, República do Congo e Moçambique.
Para evitar a dupla tributação e prevenir a fraude e evasão fiscal também estão assinados acordos com alguns países, sendo os casos mais recentes Portugal e os Emirados Árabes Unidos.
A história da diplomacia angolana regista também acordos no domínio da Defesa com a África do Sul, Cabo Verde, Congo, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Namíbia, Zâmbia, Zimbabwe, Brasil, Cuba, Estados Unidos da América, China, Coreia do Sul, Timor Leste, Alemanha, Espanha, França, Itália, Portugal, Rússia e Sérvia.
No domínio da Segurança e Ordem Pública existem acordos com Cabo Verde, Guiné Equatorial, Congo, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Côte d’Ivoire, Zâmbia, Zimbabwe, África do Sul, Guiné-Bissau, Brasil, Cuba, China, Vietname, Coreia do Sul, Timor Leste, França, Holanda, Itália, Portugal e República Democrática do Congo.
Em matéria de Justiça, existem acordos sobre Extradição, Transferência de Pessoas Condenadas e Assistência Jurídica com a Namíbia, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Zâmbia, Brasil, Cuba, Estados Unidos da América, Alemanha, Portugal, Rússia e China.
De destacar que com a França e com a Rússia estão rubricados acordos sobre a Utilização do Sistema de Observação da Terra e o Uso do Espaço Exterior para Fins Pacíficos, respectivamente.
Diplomacia económica
Nos tempos que correm, a diplomacia económica é, sem dúvida, uma das mais importantes vertentes da política externa angolana, visando o fomento das relações comerciais aos níveis bilateral, regional e multilateral, a promoção da imagem do país no exterior, a exportação de bens e serviços e a captação de investimento directo estrangeiro.
Entre 2018 e 2019, o Presidente da República apostou numa agressiva e bem sucedida diplomacia económica ao efectuar visitas de Estado e de promoção e angariamento de investimentos aos Estados Unidos da América, República Popular da China, Federação Russa, Japão, Alemanha, Portugal, França, Itália, África do Sul, Rwanda, Emirados Árabes Unidos e Qatar.
Esta ofensiva foi conjugada com participações em importantes fóruns económicos mundiais, como no Japão (TICAD), na China (Fórum China-África), Suiça (Fórum Económico Mundial Davos) e na Cote D’Ivoire (Cimeira União Africana-União Europeia).
Esteve também no Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica), na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2018 e 2019, nas Cimeiras Anuais da União Africana e da SADC e na da CPLP, em Cabo Verde, em 2018.
Angola assinou Acordos de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos com a África do Sul, Cabo Verde, Congo, Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Brasil, Cuba, EUA, Alemanha, Espanha, França, Reino Unido, Itália, Holanda, Portugal, Rússia, Suíça, Emirados Árabes Unidos, Israel e Qatar.
A África do Sul, República Democrática do Congo, Zâmbia, Argentina, Holanda, Portugal, Cabo Verde e Namíbia são os países com quem Angola tem acordos de Assistência Aduaneira.
Batalha do Cuito Cuanavale: Guerra e Diplomacia
A Batalha de Cuito Cuanavale é considerada o símbolo maior da resistência angolana contra o exército do regime do apartheid, que vigorava na África do Sul, e o seu resultado foi decisivo, do ponto de vista politico-diplomático, no conjunto de mudanças ocorridas depois na África Austral.
Com efeito, as FAPLA (designação do exército angolano, até a criação das Forças Armadas Angolanas –FAA-, em Outubro de 1991, em cumprimento dos Acordos de Bicesse), apoiadas por forças militares cubanas, derrotaram o exército sul-africano, em 23 Março de 1988, e hoje este dia é assinalado como Feriado em todos os países membros da SADC.
Os resultados da Batalha do Cuito Cuanavale destruíram o mito da pretensa superioridade e invencibilidade do regime do “Apartheid”, que se viu obrigado a negociar, libertar Nelson Mandela e aceitar a inevitável ascensão ao poder dos representantes da maioria negra sul-africana.
Do ponto de vista diplomatico, a vitória da coligação do exército angolano com as forças cubanas “forçou” os representantes do apartheid a cederem e assinarem os Acordos de Nova Iorque, sob mediação dos Estados Unidos de América, em Dezembro de 1988, resultando na independência da Namíbia, democratização da sociedade sul-africana e a paz em Angola.
José Eduardo dos Santos, na altura Presidente da República, disse, em Abril de 2010, numa Homenagem aos participantes da Batalha, que “a batalha do Cuito Cuanavale teve uma inequívoca repercussão em todo o continente e constitui uma referência incontornável na afirmação da identidade e dignidade dos povos africanos”.
“Doutrina angolana de resolução de conflitos”
O especialista em Relações Internacionais Africanas, Mário Augusto, no seu livro “Os conflitos em África e a experiència de Angola na sua resolução”, reafirma que a paz, a estabilidade e o desenvolvimento são as prioridades estratégicas da política externa angolana, assente no respeito pela soberania, igualdade e integridade territorial dos Estados e cooperação reciprocamente vantajosa.
Resultado da experiência de guerra dolorosa, que ainda hoje tem graves reflexos na vida do país e das suas populações, o antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, definiu os três pilares da hoje reconhecida “Doutrina Angolana de Resolução de Conflitos”.
No primeiro pilar está definido que a regra de resolução de conflitos deve ser o diálogo e o debate franco e aberto, como forma de se alcançar o consenso, respeitando o esforço que se deve desenvolver em defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos de um determinado país.
No Segundo, as questões geradoras de conflito não devem ser dirimidas por via da confrontação violenta, mas sim através da concertação e negociação permanentes, que resulte em acordo que responda às aspirações das partes envolvidas e respeite superiores interesses nacionais, como a soberania, unidade, integridade da nação e respeito pela dignidade humana.
Uma reconciliação sincera entre os cidadãos, um perdão recíproco, um esforço contínuo de confiança, uma aceitação mútua que conduza a uma pacificação dos espíritos e um sentimento de maior “cumplicidade nacional” conformam o terceiro pilar da “Doutrina Angolana de Resolução de Conflitos”.
A referida Doutrina faz parte das positivas referências levando Angola a ser um dos países mais respeitados da diplomacia africana, mérito consolidado em 45 anos, ao desenvolver uma política diplomática de respeito mútuo e vantagens recíprocas, boa vizinhança e aplicação das normas dos tratados internacionais de que é parte ou a que aderiu.
De 1975 a 2002 Angola desenvolveu inúmeras e intensas acções diplomáticas, que resultaram na assinatura de vários acordos e compromissos para a conquista da paz, reconciliação nacional e estabilidade em alguns países africanos.
“Dor de cabeça” chamada Guiné-Bissau
Uma das “frustraçoes” da diplomacia angolana, ao longo dos 45 anos de Independência, é, sem dúvidas, a gestão do complexo problema que vive, até hoje, a Guiné-Bissau, país independente desde 24 de Setembro de 1974 e com uma história muito trágica.
De facto, a sua história é marcada por Golpes de Estado, ocorridos em 1980, 2003 e 2012, assim como revoltas militares, que provocaram a morte de um Presidente da República, um candidato presidencial, três Chefes de Estado-Maior e várias outras autoridades militares e civis.
A Guiné-Bissau tem problemas profundos que afectam uma boa parte da sua classe política e militar. O aumento do tráfico de drogas no país afecta não só as Nações vizinhas, mas toda a região, com consequências para a estabilidade e segurança regionais.
Por isso, num esforço de solidariedade bilateral Angola prontificou-se a prestar apoio, na reforma do sector de defesa e segurança, mas falhou, porque os militares daquele país não consentem em ceder o poder que detêm no país, de certa forma “instrumentalizados” por políticos.
De facto, a tentativa protagonizada por Angola, com a Missão de Assistência Técnico-militar de Angola (MISSANG), que consagrava uma solução eminentemente bilateral para a indispensável reforma do sector de Defesa e Segurança, falhou, com a consumaçao de um golpe de estado militar, ocorrido no dia 12 de Abril de 2012.
A MISSANG era resultado de um acordo de cooperação bilateral, assinado entre os governos dos dois países, que incluia um programa de ajuda financeira ao orçamento da Guiné-Bissau e um protocolo de cooperação técnico-militar, para apoiar a reforma do sector da defesa e segurança.
Os Estados membros da CPLP, reunidos em Cimeira de Chefes de Estado, em Luanda, a 22 de Julho de 2010, e após intensas consultas com os seus parceiros da CEDEAO, aprovaram um roteiro para a implementação do programa de reformas do sector de defesa e segurança. A solidariedade da CPLP para com a Guiné-Bissau tem sido permanente e actuante.
Também não foi possível concretizar o referido roteiro, incluido num Memorando de Entendimento tripartido entre o Governo da Guiné-Bissau, a CEDEAO e a CPLP, passando a diplomacia angolana para uma abordagem multilateral no apoio à estabilização da Guiné-Bissau.
Hoje, a abordagem multilateral do sempre dificil e imprevisivel dossier Guiné-Bissau é feita pelo mecanismo P-5, que envolve a ONU, a União Africana, a CPLP, a CEDEAO e a União Europeia, com Angola, como todos os membros da CPLP e da Comunidade Internacional, a desejarem ver aquele país a respeitar os princípios da convivência democrática e boas práticas de governação, com estabilidade e em desenvolvimento.
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
A CPLP, criada a 17 de Julho de 1996, une hoje os seus nove Estados Membros (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste) por laços linguísticos e partilha de legados históricos e culturais, alicerçados por uma cooperação multifacetada entre si.
Alicerçada em laços históricos e de fraternidade, a CPLP tem por objectivos gerais a concertação e cooperação politico-diplomática entre os seus Estados Membros, e a promoção e difusão da Língua Portuguesa.
Angola, que vai assumir a presidência da organização, em 2021, tem desempenhado um papel activo na promoção e difusão da Língua Portuguesa, partindo do reconhecimento da responsabilidade da CPLP em fazer da língua comum um instrumento de projecção colectiva e um contributo para a inserção internacional dos seus Estados Membros e para o desenvolvimento económico, social e cultural dos seus respectivos povos.
Sem dúvidas que a CPLP é ainda uma organização de carácter essencialmente cultural, baseada na língua comum, e continua a ter na cultura um dos eixos fundamentais da sua acção. Esse factor também pode estimular e elevar a cooperação intra-comunitária, com destaque para o tema da actualidade: a mobilidade entre os Estados Membros.
Angola vai assumir a presidência da Organização em 2021, com o dossier da mobilidade entre os Estados Membros nas prioridades. Por força da pandemia da Covid-19, o país não assumiu a presidência da CPLP este ano.
Importante recordar que a CPLP não é um espaço de integração económica, social e política, até porque cada um dos seus Estados Membros está já inserido em zonas de integração em África, na Europa, na América e na Ásia.
A diplomacia angolana continua a defender a afirmação da CPLP como um espaço de concertação poítica e de acções de solidariedade, de promoção da cooperação económica, científica e técnica e do intercâmbio cultural e desportivo e de aprofundamento do conhecimento recíproco dos respectivos povos.
Comissão do Golfo da Guiné
O país alberga a sede da Comissão do Golfo da Guiné, organização cuja criação resulta de um Tratado assinado em Libreville (capital do Gabão), no dia 3 de Julho de 2001, por Angola, Congo, Gabão, Nigéria e São Tomé e Príncipe. Em 2008, juntou-se à organização os Camarões, República Democrática do Congo e Guiné Equatorial.
A Organização tem como desafio principal manter o Golfo da Guiné uma zona de paz, estabilidade e de concertação e cooperação, valorizando os seus imensos recursos e transformá-los em factores de desenvolvimento económico e de promoção do bem-estar e progresso social dos povos da região.
Líderes da região mostram-se alinhados a trabalharem num espírito de inter-ajuda, solidariedade recíproca e complementaridade, para tornar o Golfo da Guiné numa zona de paz e segurança no Atlântico Sul, assim como contribuir para a promoção do comércio internacional.
Em Angola está instalado um centro de comunicações, no quadro do trabalho conjunto dos Países da região do Golfo da Guiné, no combate à pirataria, pesca e à imigração ilegal e para manter a segurança na região.
Factos relevantes antes da Independência
Antes da independência nacional, ocorreram acções diplomáticas que contribuíram para confirmar a determinação dos angolanos em libertarem-se do jugo colonial.
Entre as acções desenvolvidas por nacionalistas angolanos, nos mais variados corredores da diplomacia mundial, uma referência especial à audiência concedida pelo Papa Paulo VI, no dia 01 de Julho de 1970, a três líderes de movimentos de libertação das então colónias portuguesas em África, à margem da Conferência de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas, ocorrida dias antes do encontro, entre 27 e 29 de Junho.
Foram recebidos Amílcar Cabral, do Partido Africano para a Independência da Guiné- Bissau e Cabo Verde (PAIGC), Agostinho Neto, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e Marcelino dos Santos, um dos elementos da troika que dirigia a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), após o assassinato do seu fundador, Eduardo Mondlane, em 1969, em Dar es Salaam (República Unida da Tanzânia).
O acontecimento minou as já na altura conturbadas relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé. A título de exemplo, as autoridades portuguesas à época cortaram a referência ao direito de auto-determinação dos povos da encíclica Pacem in Terris, do Papa João XXIII.
Segundo relatos da época, um outro acontecimento marcou pela negativa, na perspectiva do governo português, a sua relação com o Vaticano. Foi a comunicação do cardeal Agostino Casaroli ao embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Eduardo Brazão, a 10 de Março de 1970, que seria nomeado o primeiro bispo negro numa colónia portuguesa, Dom Eduardo André Muaca, para bispo auxiliar da Diocese de Luanda.
A presidente da Associação Italiana dos Amigos da Présence Africaine, a jornalista Marcella Glisenti, foi a principal organizadora do encontro entre os três líderes independentistas africanos e Paulo VI, preparado “meticulosa e secretamente, para iludir a vigilância da polícia política portuguesa”.
A preparação do encontro envolveu ainda o arcebispo de Conakri, Raymond Marie Tchidimbo, que considerou a consumação da audiência como uma “ocasião única” para o reconhecimento, pela Igreja Católica, “dos justos direitos à dignidade e à auto-determinação dos povos africanos”.
Detalhe importante e de relevância diplomática: a audiência privada do Papa aos três líderes africanos, acompanhados por Marcella Glisenti, ocorreu na Sala dos Paramentos, onde eram formalmente recebidos os embaixadores estrangeiros.
Não é de domínio público algum registo fotográfico ou escrito da reunião, mas sabe-se que o Papa recomendou aos dirigentes africanos o uso de meios pacíficos para alcançarem os seus fins, distribuiu a cada um exemplares da encíclica Populorum Progressio (1967) e despediu-se dizendo a Amílcar Cabral: “Eu rezo por vós!”.
A revista católica Informations Catholiques Internationales chama para título outra frase atribuída ao Papa Paulo VI: “A Igreja está do lado dos países que sofrem”.
Vinte e cinco anos depois do encontro, Marcelino dos Santos recordou, numa entrevista ao jornal português Expresso, em Julho de 1995, que os três dirigentes africanos declararam ao Papa Paulo VI que lutavam pela paz, contra o regime colonial e fascista, e apelaram que Sua Santidade defendesse junto de Portugal o direito das colónias portuguesas à independência.
Uma referência à figura de António Manuel Nvunda, conhecido por “O Negrita”, hoje considerado precursor da moderna diplomacia angolana, que se notabilizou, no Século XV (1604-1608), como Emissário/Embaixador do Reino do Kongo junto do Vaticano.
Depois da chegada dos portugueses, o Reino do Kongo converteu-se ao cristianismo e foi nesse contexto que o príncipe António Manuel Nvunda foi enviado à Roma como embaixador, por Dom Álvaro II, Rei de Portugal, para estabelecer relações com a Santa Sé.
A história regista Nsaku Ne Vunda (nome de baptismo de António Manuel Nvunda) como o primeiro embaixador do antigo Reino do Kongo junto da Santa Sé, facto reconhecido pelo Papa emérito Bento XVI, em 2007, numa audiência pública na praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano.
Tendo partido de Mbanza Kongo, capital do antigo Reino do Kongo, Nsaku Ne Vunda chegou a Roma no dia 3 de Janeiro de 1608, depois de quatro anos de viagem, com a saúde bastante debilitada, depois de uma viagem muito longa e extremamente difícil, tendo adoecido gravemente.
Instalado no Vaticano, recebeu toda a assistência possível, mas viria a falecer na noite entre 5 e 6 de Janeiro do mesmo ano, apesar do empenho pessoal do Papa Paulo V, que até recorreu ao seu médico, para atender o visitante.
As relações diplomáticas entre Angola e o Vaticano foram instituidas a 8 de Julho de 1997, com a nomeação do primeiro embaixador não residente junto da Santa Sé, Domingos Quiosa, acreditado no dia 7 de Fevereiro de 1998, e a 13 de Setembro de 2019 os dois Estados assinaram um Acordo-Quadro, que reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica em Angola.
A faceta de Agostinho Neto como diplomata
Agostinho Neto, o fundador da Nação Angolana é reconhecido como um político, poeta e estadista de prestígio nacional, regional e internacional, cujo percurso e protagonismo está marcado por acções politico-diplomáticas consideradas determinantes para o alcance da Independência Nacional e também a favor da libertação de outros povos, particularmente na região da África Austral.
Em Agosto de 1978, num encontro com embaixadores angolanos, Agostinho Neto defendeu que “Não tem sentido, não é completa a ideia de atingirmos a liberdade económica e social, sem darmos uma contribuição positiva para a libertação política dos outros povos. Seria contraditório, seria trair o interesse das classes trabalhadoras do mundo remetermo-nos à posição de egoísmo ou nacionalismo estreito”.
A intensa actividade diplomática de Agostinho Neto evitou que a luta do povo angolano não fosse isolada e o reconhecimento de Angola em todo o mundo fosse acontecendo, apesar das barreiras levantadas por interesses geo-políticos e estratégicos, derivados da “Guerra Fria” gerada pelos blocos mundiais capitalismo/imperialismo e socialismo/comunismo.
As citações “Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África” e “Na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta” traduzem claramente a “visão de diplomacia pragmática” de Agostinho Neto, como definiu o especialista de Relações Internacionais, Belarmino Van-Dúnem.
E, ao longo dos 45 anos de independência, o papel de Angola foi crucial no fim do regime racista do “Apartheid” na África do Sul e no alcance das independências do Zimbabwe, no dia 18 de Abril de 1980, e da Namíbia, a 21 de Março de 1990.
Belarmino Van-Dúnem refere que na década de 90, a conjuntura política nas relações internacionais muda com o fim do conflito Leste-Oeste, começando uma nova era que transforma Angola num país pivot da paz e da estabilidade em todo o continente africano.
O enfoque de Angola deve continuar a ser a pratica de uma diplomacia actuante e atenta que trabalhe na garantia da estabilidade política, consolidação da paz, segurança do país e dos seus cidadãos, promoção do desenvolvimento sustentável e diversificado, assim como o combate às desigualdades e injustiças no mundo.
Enfim, o país tem sido um importante factor de paz e estabilidade regional e deve continuar a contribuir ao nível das sub-regiões a que pertence, da União Africana e das Nações Unidas para a preservação e restabelecimento da paz, da estabilidade e da segurança universal.