A metamorfose de Luanda

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  • Luanda     Domingo, 24 Janeiro De 2021    14h12  
Vista parcial da Avenida Rainha Njinga, em Luanda.
Vista parcial da Avenida Rainha Njinga, em Luanda.
Nelson Malamba

Luanda – Desde a sua fundação, em 1576, as transformações de Luanda, a capital de Angola, registam-se em várias direccões, com maior incidência na matriz arquitectónica e na componente sociocultural.

Por: Maria João Gonçalves

Luanda é uma cidade que cresce, desde a década de 1950, com o surgimento de vários edifícios na zona urbana, mas foi na década de 1990, com a chegada de milhares de cidadãos do interior do país, fugidos da guerra, que se registaram as principais transformações.

Dados oficiais indicam que mais de sete milhões de habitantes residem hoje na capital do país, ou seja, 20 por cento da população angolana, estimada, actualmente, em mais de 30 milhões.

Estudos indicam que, actualmente, cerca de 75 por cento da população reside em bairros periféricos e sem ordenamento urbano, que proliferam pela cidade, durante várias décadas, contrastando com edifícios de arquitectura moderna, incluindo os chamados "arranha-céus".

Na verdade, conforme o arquitecto e pesquisador angolano Luís Herlander Alexandre, Luanda "teve três períodos cruciais no desenvolvimento das suas cidades e arquitectura, após a sua fundação", sendo dois deles, os mais recentes, "determinados por razões económicas".

O investigador considerar estes períodos como "ciclos de renovação urbana", mas afirma ter havido, neste processo, "a morte da história da cidade", com o desaparecimento de monumentos da era colonial.

Um recuo à história demonstra, claramente, que durante meados do século XX Luanda era uma cidade "com um traçado urbano lasso, disperso, de baixa densidade, com casarões típicos de enormes quintais e grossas paredes, além de praças ajardinadas.

Pelo menos é assim que o arquitecto Luís Hernandes Alexandre a descreve na sua tese de mestrado sobre o tema "Da Arquitectura Vernácula ao Séc. XXI: Uma Tipologia de Habitação para Luanda".

De acordo com a pesquisa deste especialista, após a II Guerra Mundial (1939-1945), a cidade sofreu uma profunda transformação, determinada pelo seu porto marítimo, em conjugação com os caminhos-de-ferro, que lançaram as bases para um grande crescimento económico.

Esse crescimento, sustenta, foi ditado pelo aumento dos lucros da exportação do café, pelo forte dinamismo dos sectores da indústria e da construção civil, bem como por um grande movimento migratório da Europa e do interior da então província de Angola, em geral.

O fim do património

"A antiga cidade típica portuguesa, com os seus palácios, sobrados, casas típicas, as igrejas, barrocas coroando os seus pontos mais altos e os bairros populares tradicionais, foi sendo demolida para dar origem a edifícios de arquitectura moderna, destruindo muito do património arquitectónico ultramarino que remontava dos séculos XVII e XVIII, em nome de uma renovação urbana", descreve.

Segundo o também investigador Ilídio do Amaral, a demolição dos bairros tradicionais "destruiu a originalidade da cidade", ao ponto de ficar sem matriz arquitectónica própria e sem parte da história.

Por seu turno, o arquitecto Luís Hernandes Alexandre atesta que o processo de transformação da cidade tornou-se mais acentuado no período de 1958 a 1967, com a construção de mais de dois mil e 200 novos edifícios, "a maior parte deles modernistas e com vários pisos".

Essas edificações, conta, avançaram sobre a planície da cidade alta, e densificaram o tecido da cidade antiga, fazendo-a crescer em altura, com os chamados edifícios "arranha-céus".

As investigações de Luís Alexandre demonstram "que em apenas duas décadas, o número de habitantes de Luanda quase quadruplicou, passando de 61 mil e 28, na década de 1940, para 224 mil e 540, em 1960", contribuindo, assim, "para a degradação das infra-estruturas da cidade".

Desde aquela época, testemunha, tornaram-se obsoletas os planos de urbanização previstos e implantados na cidade, que não conseguiam acompanhar a procura por novos espaços habitacionais, sendo, por isso, um dos momentos-chave da metamorfose de Luanda.

"O consumo eléctrico, por exemplo, passou de uma média anual de dois milhões e 700 mil quilowatts hora, em 1948, para 25 milhões e 700 mil, em 1957, o que sobrecarregou em seis milhões e 900 mil quilowatts hora a produção da Barragem das Mabubas, construída em 1957, com capacidade de apenas 18 milhões e 800 mil quilowatts hora, numa rede de distribuição eléctrica criada apenas no ano de 1930", explica.

Esse valor "duplicou entre os anos de 1958 e 1964, passando de um consumo médio de 35 milhões de quilowatts hora, para 60 milhões de quilowatts hora, atingindo, ainda na década de 1960, um consumo de 100 milhões de quilowatts hora, garantidos pela barragem de Cambambe, erguida no rio Kwanza".

O especialista aponta também o exemplo do consumo de água, que, segundo diz, em 15 anos, decuplicou, passando de 450 mil metros cúbicos, em 1938, para cinco milhões, em 1953. 

“Durante a década de 1960, chegou a um consumo de 18 milhões de metros cúbicos", relata o arquitecto, sustentando a sua investigação na obra "Estudo de Geografia Urbana, 1968".

Enquanto isso, o processo de transformação da cidade ganhou novos contornos, depois da conquista da independência nacional, mais precisamente no período entre 1975 e 2002.

Em face da guerra que fustigou o país, a partir de 1975, Luanda registou forte êxodo de populações saídas do interior para a cidade capital, em busca de abrigo e melhores condições de vida.

Esses novos habitantes fixaram-se em zonas periféricas da cidade, dando origem a vários musseques, até então inexistentes, que se expandiram para além dos limites de segurança dos bairros periféricos, criando um anel muito denso e caótico que até os rios Bengo e Kwanza.

"Luanda passou, de forma desregulada, de uma massa demográfica de aproximadamente 500 mil indivíduos, em 1975, para cerca de quatro milhões e 500 mil, aquando dos acordos de paz, em 2002", conclui Luís Alexandre, para quem se mantém algumas marcas "da planta e do traçado colonial do seu núcleo urbano histórico, com muito poucas alterações".

A transformação da Ilha

Entretanto, não são só as transformações arquitectónicas e urbanísticas que preocupam os habitantes de Luanda. 

De 1975 até à presente data, a capital do país tem assistido ao desaparecimento de atractivos de grande simbolismo histórico e patrimonial, muitos deles arguidos a era colonial.   

Este fenómeno é evidente na Ilha de Luanda, que viu desaparecer parte da floresta e a totalidade do jardim zoológico, bem como a degradação acentuada do Hotel Panorama e da Casa dos Desportistas, tomados por comunidades de famílias sem abrigos, num claro contraste com o moderno "calçadão".

Em contrapartida, as obras na zona da Baía de Luanda e o processo de afastamento do mar permitiram o surgimento de grandes e luxuosos edifícios, com serviços na área de restauração e outros, à beira-mar. 

Actualmente, a parte baixa da cidade oferece um cenário de contraste de velhos e novos encantos.

Alguns desses locais, apesar da sua arquitectura bastante antiga, ainda preservam as memórias da antiguidade, marca presente no famoso Baleizão, um dos mais frequentados espaços de lazer para muitos luandenses, até finais da década de 80, hoje transformado em Largo da Amizade Angola e Cuba.

No quadro das transformações e da "agressividade" do sistema de economia de mercado, Luanda deixou de ter activos históricos, como o Teatro Avenida, a Makambira e a Livraria Lello, este último considerado centro de referência para os estudantes até finais da década de 90.

Outra infra-estrutura de grandes memórias que sucumbiu no tempo é o mercado do  Kinaxixi, considerado como obra exemplar da arquitectura modernista em África, desenhada no início dos anos 50 e destruído em 2008, para dar lugar a um centro comercial cujas obras já levam mais de 10 anos.

Realce também para a desactivação do mercado Roque Santeiro, considerado o maior espaço comercial a céu aberto de Angola, no âmbito da política de reorganização da cidade capital.

A desactivação do mercado, no município do Sambizanga, enquadrou-se no programa de urbanização da Boavista, cujas obras se encontram paralisadas até ao momento.

Com o desaparecimento do "gigante" Roque Santeiro, importante fonte de receitas para os cofres de Luanda, as autoridades locais criaram alternativas, como o Mercado do 30, no município de Viana, que, no entender de alguns analistas, "não corresponderam às expectativas", por vários factores.

No caso do Mercado do 30, um dos principais motivos é a sua localização. Se, por um lado, o Roque Santeiro localizava-se a poucos quilómetros da cidade e facilitava a mobilidade de vendedores de vários municípios, o mesmo não se coloca ao novo mercado, erguido a exactos 30 quilómetros da cidade.

Com isso, milhares de vendedores optaram por criar pequenos mercados informais em locais não autorizados pelas autoridades, alguns deles à beira das estradas, nas ruas e até mesmo em passeios, situação que tem vindo, ao longo dos anos, a ofuscar a beleza da cidade.

Mesmo assim, alguns edifícios e pontos de referência da capital angolana resistiram à pressão da modernização, como é o caso da empresa Mabílio M. Albuquerque, criada em 1923, do Palácio de Ferro, do Palácio Dona Ana Joaquina e da Igreja de Nazaré.

No quadro da política de reestruturação e melhoria da imagem de Luanda, o Governo local tem vindo a investir na reparação de ruas, avenidas e estradas antigas, para melhorar a fluidez do trânsito.

Foi neste quadro que surgiram alguns túneis e viadutos em diferentes municípios, com a finalidade de desanuviar o trânsito caótico de Luanda, no quadro de um programa suportado pelo Ministério das Obras Públicas e Ordenamento do Território, que prevê a construção de 40 viadutos.

Deste plano, oito já se encontram construídos e quatro estão em construção, designadamente o nó do novo Aeroporto de Luanda, da Unidade da Guarda Presidencial (UGP), elevador do Cazenga e o da Corimba.

Mudança de hábitos

Como se pode notar, Luanda passou por um grande processo de transformação, que afectou não apenas as suas estruturas físicas, mas também os hábitos e costumes.

Exemplo claro disso são os muxiluandas, povos  de origem luandense, que, pela força da globalização ou por falta de passagem de testemunho, vão perdendo as suas tradições.

Nestas comunidades, o uso das missangas, dos panos e quimones, trajes que definem a beleza da mulher Bessa Ngana, são paulatinamente substituídos por roupas do ocidente, novas ou usadas, que dia após dia vai abarrotando as ruas da cidade capital.

O processo de aculturação é notório, também, na culinária desta comunidade de origem kimbundu, que, devido à actividade de pesca, era baseada em peixe cozido, assado ou grelhado, farinha de mandioca, mandioca e batata-doce cozidas.

A isso junta-se o ritual de xinguilamanto, que vai perdendo “encanto” junto da nova geração, devido à onda de evangelização imposta pelos cristãos, a todos os níveis.

Apesar das influências culturais externas, os muxiluandas hoje ainda conseguem celebrar com grande  adesão as festas tradicionais da “kianda” (sereia) e o carnaval, acções em que as tradições são seguidas por aqueles que abraçam os encantos da vida à beira-mar.





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