“Cada munícipe do Cuito deve dar o seu melhor” – ex-administradora

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  • Bié     Segunda, 30 Agosto De 2021    11h05  
Primeira Administradora Municipal do Bié e no País, Prescinda Albino Chicomo
Primeira Administradora Municipal do Bié e no País, Prescinda Albino Chicomo
Bartolomeu António

Cuito – O município do Cuito tem rumo e vai se desenvolvendo a cada ano, por isso cada munícipe deve dar o seu melhor para o crescimento da urbe, afirmou, em entrevista à ANGOP, Prescinda Albino Chicomo, a primeira e única mulher até aqui a exercer o cargo de administradora da capital biena.

Em vésperas do Cuito completar 86 anos de existência, desde que foi elevado à categoria de cidade, a 31 de Agosto de 1935, a ex-administradora, que liderou a circunscrição durante seis anos (1995-2000), fala sobre o desenvolvimento do município nos últimos anos, referindo não haver comparação possível entre o Cuito de hoje e o de ontem.

Durante a conversa, com os jornalistas Pascoal Bernardo e Bartolomeu Nascimento, a antiga gestora pública, de 79 anos de idade, aborda alguns problemas que inquietam os munícipes, sobretudo os ligados ao saneamento básico.

Eis a entrevista:

ANGOP - Em 1995, ainda existia tabus no que diz respeito à classe feminina exercer cargo de relevo. Por conseguinte, foi a primeira mulher e única até aqui a ser nomeada administradora do Cuito, capital do Bié. Como chegou a este cargo?

Prescinda Albino Chicomo (PAC) – Não só no Bié, mas a nível do país fui a primeira mulher administradora municipal. Só depois começaram a surgir outras. Tudo isso se passou depois do exercício de vários cargos, entre os quais de directora provincial da alfabetização, secretária municipal da OMA da Nharêa e segunda secretária provincial da mesma organização. Em 1990 fui eleita membro do Comité Central do MPLA e do Governo da Província do Bié, até ser nomeada, em 1995, administradora do Cuito, pelo então governador Luís Paulino dos Santos, tornando-me na primeira mulher em Angola a exercer este cargo.

ANGOP - Como foi coabitar com homens naquela altura?

PAC - Como cresci no meio religioso, Deus fez-me forte. Mostrei aos homens que, afinal, as mulheres também eram capazes. Na verdade, os rapazes que trabalhavam comigo chamavam-me de mãe. Foram todos amigos, cada um dava orientação daquilo que sabia ao outro e vice-versa.

ANGOP - A senhora assumiu o posto num momento difícil, numa altura em que o Cuito estava praticamente às cinzas, como resultado da guerra pós-eleitoral de 1992, que destruiu dezenas de infra-estruturas. Como conseguiu gerir o momento?

PAC - Eu não digo que fui somente forte. Toda força e inteligência que tive não dependiam de mim, mas do meu Deus. Eu orava de manhã e de tarde, pedindo ao Senhor para me dirigir e orientar o caminho certo.

ANGOP - Como era o município e como o descreve hoje?

PAC - Temos que dar os parabéns a todos os governadores que passaram por aqui. Realmente, quem viu o Cuito ontem e vê hoje nota muita diferença. Era uma cidade cheia de escombros, mas as casas foram, na sua maioria, melhoradas. Quer as instituições do Estado quer as privadas também sofreram reestruturações. Cada pessoa procurou melhorar a sua residência conforme foi melhorando a sua vida, e o mesmo aconteceu com as igrejas que estão muito melhores.

ANGOP - Esse é o Cuito com que sonhou?

PAC - Sim! Mas o sonho continua. Acredito que vamos melhorando cada dia que passa e tudo dependerá da força dos governantes que vierem a dirigir a província.

ANGOP - O que gostaria de ver melhorado nesta altura?

PAC - Gostaria de ver melhoradas, principalmente, as vias de acesso. Há zonas que, para ir de carro, é muito difícil. De igual modo, é importante a população saber onde saímos e onde estamos. As pessoas, sobretudo os jovens, devem abster-se do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de outras acções negativas, e praticar o bem, amando o seu próximo. Só assim teremos um Cuito diferente.

ANGOP - Durante esses anos, sobretudo depois da paz, quais as melhorias que registou no município?

PAC - Como disse, terminada a guerra, todas as casas eram escombros, não tinham cobertura, outras apenas os alicerces, mas estamos a ver agora, com o desempenho do Executivo e dos próprios donos, que todas estão melhoradas. O Cuito está no bom caminho, o importante é cada munícipe dar o seu melhor.

ANGOP - Hoje por hoje, Se tivesse a oportunidade de tomar uma importantíssima decisão, para melhorar a cidade, qual seria?

PAC - Em primeiro lugar seria melhorar as vias de acesso aos bairros, aumento do fornecimento de energia eléctrica e da capacidade de água potável nas aldeias, assim como asfaltar a estrada nacional 250, que liga a cidade do Cuito aos municípios de Catabola, Camacupa e Cuemba, zonas que registam atraso no desenvolvimento devido ao péssimo estado das vias. Reconhecemos não ser possível fazer tudo de uma só vez por falta de verbas, mas é importante que as estradas, ainda que não forem asfaltadas, sejam melhoradas.

ANGOP - Nos sectores da educação e da saúde. Qual a análise que faz comparando com o passado?

PAC – Apenas tenho a dizer muito obrigado ao nosso Governo, porque ontem não sabia dizer quantas escolas, hospitais e postos médicos tínhamos, mas hoje, além do hospital grande (Dr. Walter Strangway), inaugurado recentemente, estão igualmente a melhorar o antigo hospital provincial, que vai permitir às pessoas serem assistidas de acordo com a proximidade de cada um. Nos últimos anos várias unidades sanitárias foram construídas e outras estão em construção. As escolas vão surgindo, sobretudo nesses últimos anos, com a implementação do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e do Programa de Combate à Pobreza, permitindo a redução do número de crianças fora do sistema de ensino.

ANGOP - E quanto ao saneamento básico?

PAC - O saneamento básico não é tão mau conforme tenho visto noutras cidades. O que está a faltar são os contentores, fazendo com que os munícipes deitem o lixo no chão. Agora, a nossa população também podia muito bem ajudar, metendo o lixo em sacos e depositar nos locais apropriados.

ANGOP – Hoje vê-se muitas mulheres a exercerem cargos decisórios, o que não acontecia anteriormente. Quer comentar?

PAC - Ontem, o homem pensava que a mulher só servia para fazer filho, cozinhar e lavar a roupa. Daqui a pouco, os homens vão ficar atrás das mulheres (risos).

Por exemplo, a nível do MPLA, já haverá igualdade do género durante o seu VIII Congresso, a decorrer em Dezembro deste ano. Isso já é um caminho para equidade também nos cargos governamentais, mas não significa que as mulheres devem desrespeitar os homens.

Contudo, é bom que os homens fiquem consciencializados de que somos todos iguais, temos duas pernas, dois braços e uma cabeça, então aquilo que eu faço, o homem também faz, e quando chegamos em casa cada um deve cumprir o seu papel.

Por outro lado, reconhecemos que nem todas as mulheres têm sabido representar a classe feminina nos cargos para as quais têm sido nomeadas, também porque, em alguns casos, os maridos não ajudam. A mulher quando tem uma responsabilidade, o marido deve ajudar, trocando ideias, só assim sairá vitoriosa.

ANGOP - O Bié tem quatro administradoras dos nove municípios que compõem a província. Na sua opinião, as mulheres estão bem representadas?

PAC - O Bié é um exemplo, está no bom caminho e outros vão seguir, tenho a certeza.

ANGOP - Como vê a participação da mulher no ensino?

PAC - Somos a maioria. Mesmo entre os professores, as mulheres estão em maior número. Não há nenhum sector que não tenha representação feminina.

ANGOP - Fala um pouco da sua trajectória

PAC – Eu nasci e cresci no município da Nharêa e estudei nas missões evangélicas de Chilesso e do Dondi e assim fiz a 4ª classe. Naquele tempo, parecia já doutora (risos). Assim que completei a 4ª classe, comecei a trabalhar como professora, a três quilómetros da missão do Chilesso, até 1975. Mais tarde fui viver em Benguela e depois em Quilengues (Huila), já que o meu marido trabalhava como regente agrícola, cargo actualmente equiparado ao de director provincial da Agricultura. Terminadas as funções de administradora, fui para o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), onde trabalho até hoje, já que ainda não recebi o documento definitivo de descanso.

ANGOP - Como pôde conciliar o seu tempo de servidora pública com a de mulher e mãe?

PAC - Para mim foi uma coisa muito simples, porque basta força de vontade. Mesmo com trabalhadoras domésticas, sempre que possível eu fazia os trabalhos de casa.

ANGOP – Sente-se reconhecida pelos seus feitos?

PAC - Sinto sim. O país é grande e as mulheres também foram muitas, mas fui reconhecida.

ANGOP - O município do Cuito está prestes a completar mais um ano desde que foi elevado à categoria de cidade. Qual é a palavra que quer deixar aos munícipes?

PAC- Estamos todos de parabéns pela efeméride, mas devemos pensar no que queremos afinal para o Cuito. Não é só completar anos e amanhã o município continuar na mesma. O Governo faz a sua parte e nós, a população, também devemos fazer a nossa. As comissões de moradores e outras instituições devem trabalhar com os dirigentes para o bem de todos.

Perfil

Prescinda Albino Chicomo nasceu a 4 de Janeiro de 1942 no município da Nharea, província do Bié. É professora de profissão, foi deputada da Assembleia do Povo e membro do Conselho da República. De igual modo, exerceu os cargos de directora provincial da alfabetização do Bié e comissária da CNE. A nível partidário, foi membro do Comité Central do MPLA (1981 a 2016), primeira secretária municipal deste partido no Cuito, secretária da OMA da Nharêa e segunda-secretária provincial da mesma organização.





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