Identificadas famílias que instrumentalizam crianças para mendicidade

     Sociedade           
  • Luanda     Segunda, 21 Fevereiro De 2022    18h41  
Crianças de rua em Luanda
Crianças de rua em Luanda
Cortesia-Jornal de Angola

Luanda – Cerca de 100 famílias que instrumentalizam os filhos para mendigar nas ruas e centros comerciais foram identificadas na província de Luanda, segundo uma fonte do INAC.

Segundo fonte do Instituto Nacional da Criança (INAC), existem mais de 20 focos onde se concentram famílias dos municípios de Viana, Luanda, Belas, Talatona e Cacuaco para mendigar.

De acordo com a fonte, estas famílias têm como preferência os Largos da Independência, Chamavo e Soweto, junto da Escola Industrial de Luanda, imediações da sede do BFA, NCR e Aeroporto 4 de Fevereiro, Ponte do Cassenda, Samba, Maculusso, Centralidade do Kilamba e KK 5000.

Em Viana, a maior concentração de famílias e crianças regista-se junto do Cine Kilumba, supermercados (Viana Sede), Rua da Dirá (Zango), Bela Vista, (Grafanil Bar), Estalagem e no Mercado do KM30 (Baia).

A ANGOP constatou que estas famílias têm como modo de actuação a utilização de adolescentes e crianças andrajosos com bebés ao colo para mendigar nas estradas e avenidas com maior tráfego automóvel.  

A fonte disse que estas pessoas chegam por volta das 6h da manhã, de autocarro público, com duas peças de roupa e trocam as vestes limpas por andrajos e com bebés, dos quatro meses aos três anos, “alugados” iniciam a jornada.

Os pais destes bebés geralmente são vendedoras que recebem parte do dinheiro angariado.

“Nestes casos os pais encorajam os filhos, com idades entre os 13 aos 16 a carregarem os bebés “alugados e sempre adormecidos” ao colo, para suplicar dos automobilistas algum dinheiro, ficando os progenitores nas imediações sempre atentos”, esclareceu.

Contactados pela ANGOP, alguns adolescentes confirmaram que são enviados pelos pais, que ficam distantes para evitar repressões ou sanções das autoridades, mas que gostariam de sair das ruas para ter uma “vida normal” que lhes permitisse ir a escola, brincar com amigos ou praticar desporto.

Outros adolescentes, com receio de serem encaminhados para os centros de acolhimentos, pediram as autoridades que apoiem os pais com emprego ou com algum negócio para deixarem de exigir dos filhos a “comparticipação nas despesas de casa” mendigando nas ruas.

De acordo com a fonte do INAC, das mães identificadas e que instrumentalizam os filhos boa parte tem casa própria, mas saem das suas zonas de residência carregando os filhos para mendigar no centro da cidade.

Para contrapor a situação, o Instituto Nacional da Criança (INAC) lançou, em colaboração com as Direcções Municipais da Acção Social, uma campanha de sensibilização dirigida às mães que instrumentalizam os filhos para mendigar, com o objectivo de retirar as crianças pedintes das ruas.

A campanha lançada em Janeiro e com término previsto para Março pretende a inclusão das famílias vulneráveis em projectos sociais de combate à pobreza e reduzir os níveis de mendicidade nas ruas, utilizando crianças.

A directora-geral adjunta do INAC, Elsa Gourgel, disse à ANGOP que a partir do dia um de Marco, a campanha de âmbito nacional vai partir para a recolha obrigatória das crianças que estiverem a mendigar.  

Referiu que, na primeira fase da campanha, os agentes comunitários trabalharam na sensibilização dos adultos, para que deixem de mandar as crianças às ruas para mendigar, procurando-se, também, saber as condições dos agregados familiares, de formas que os mais vulneráveis sejam apoiados pelas administrações municipais, no âmbito do Programa de Combate à Pobreza.

Elsa Gourgel explicou que a segunda fase prevê a retirada das crianças das ruas e encaminhadas aos lares de acolhimento, permitindo que as famílias mais vulneráveis tenham acesso a uma cesta básica periódica.

Nas Centralidades do Kilamba e KK-5000, município de Belas, estima-se que existam mais de 50 adultos e crianças nestas condições.

A ANGOP apurou que a maioria é proveniente dos bairros circundantes com realce para o Bita Progresso, Bita, Mutamba, 11 de Novembro, Engevia, Vila Flor e Tendas.

Joãozinho, de 11 anos,  que faz as ruas do Kilamba o seu lar, conta que saiu de Malanje com a tia e vivia no bairro Bita Progresso, mas a situação financeira agravou-se e a senhora (tia) com quem vivia regressou para província, deixando-o só.

Outra criança, apenas identificada por Mateus, revela que a casa dos pais situa-se no distrito da  Vila For, mas é nas ruas do KK5000 onde consegue algo para comer e levar para casa.

Entretanto, uma moradora da Centralidade do Kilamba referiu que, em 2021, as mulheres que mendigam naquela cidade beneficiaram de kits profissionais diversos, mas estas venderam os bens e retomaram no mesmo local para pedir ajuda.  

No município de Luanda, 24 famílias pedintes, que rondam as 35 a 40 pessoas, foram identificadas, segundo o director provincial em exercício do INAC, Alexandre Joaquim.

E destas 24 famílias, segundo o responsável, apenas quatro são do município de Luanda, sendo as restantes provenientes de Viana, Cacuaco e Cazenga.

Explicou que cada município tem a responsabilidade de criar as condições para poder albergar as famílias carentes, em caso de não possuírem uma habitação.

O que se pretende é educar as famílias para perceberem que o lugar das crianças não é na rua, mas sim no seio da família com ou sem condições.

A directora do município de Luanda dos Antigos Combatentes, Promoção da Mulher e Acção Social, Maria Antónia Luís, disse que a penalização dos pais e encarregados de educação que instrumentalizam os filhos para a mendicidade deve ser agravada.

A sanção, prevista na Lei 9/96 do Julgado de Menores, se fosse posta em prática inibiria as mães de usarem os filhos para a mendigagem.

Referiu que as famílias encontram na mendicidade a forma fácil de sobrevivência, tendo considerado que não é correcto que seja a criança o veículo para a concretização da acção.

A directora disse que as mães justificam o uso dos filhos, por mais facilmente as pessoas ficarem sensíveis a ver crianças pedintes e ajudam, o que se torna difícil quando não se fazem acompanhar por eles.

Já o adolescente Elísio de Castro, 15 anos, órfão de pai, justificou a sua presença na rua, por força das dificuldades que ele e mais três irmãos menores vivem em casa, visto que a mãe não trabalha, recorre a prática da mendicidade para ajudar a progenitora.

Na zona do Aeroporto 4 de Fevereiro, Pedro Manuel Silvino, órfão de 10 anos, confessou que perdeu os pais há oito anos e vivia com uma tia no bairro Rocha Pinto, mas devido as dificuldades que a família atravessa saiu de casa e passou a viver na rua.

Contactadas duas mães, na condição de pedintes nas imediações do Largo do Soweto, no bairro da Vila Alice, estas afirmaram que estão nas ruas por falta de alimentos em casa e de apoio.

Em Talatona, as autoridades locais transferem diariamente para o centro de acolhimento de Viana, duas a três famílias vulneráveis que mendigam nas principais vias do município.

Em declarações à ANGOP o director municipal da acção social, Hélder Neto, disse que foram identificadas 20 famílias vulneráveis, mas algumas alegam ter casa própria, embora continuem na rua a mendigar.

No município do Cazenga, a directora municipal da Acção Social, antigos combates e veteranos da Pátria, Emília Dona disse que não tem conhecimento de mães que instrumentalizam crianças para a prática de mendicidade.

A responsável disse que existem crianças no interior dos bairros a procura de material ferroso e plástico para serem comercializados em locais que compram estes produtos, situação que viola os direitos dos menores.

O adolescente Domingos Gervásio, de 16 anos, permanece todos os dias diante de uma grande superfície comercial do bairro Chinguar ( Benfica ),  em companhia de três irmãos menores, com a intenção de conseguir algum  dinheiro ou comida para ajudar a mãe, outros quatro irmãos e incluindo avó materna cega, de 85 anos.

“ Eu sou o mais velho, somos oito irmãos órfãos de pai, sem registo e nunca fomos a escola, vivemos com a mãe, que em companhia dos meus irmãos menores está num outro ponto da cidade a pedir esmolas”, referiu.

A psicóloga Dionisia Manuel apontou a pobreza extrema, a fuga a paternidades e a violência física e psicológica contra menores como factores por detrás da mendicidade.

Segundo a especialista, muitas dessas crianças são mandatadas por adultos e as mesmas correm muitos riscos, como a exploração do trabalho infantil, maus tratos e o consumo de drogas, e poderão ter consequências dramáticas no futuro.  

“ Deve existir maior envolvimento da sociedade no intuito de encontrar soluções, como o capacitar as famílias para a criação de renda e diálogo permanente, entre outros meios, para garantir a protecção das crianças”, defendeu a psicóloga.

 

 

 





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