Os problemas no processo de realojamento de emergência em Luanda

     Sociedade           
  • Luanda     Terça, 25 Janeiro De 2022    18h49  
Urbanização do Mayé Mayé, em Luanda
Urbanização do Mayé Mayé, em Luanda
Pedro Parente

Luanda - O processo de realojamento de emergência, na província de Luanda, criado em 2002, foi marcado por benefícios, aproveitamento ilícito, abandono e negociatas.

Iniciado logo após a conquista da paz efectiva, em Angola, o Zango surgiu exclusivamente para alojar os habitantes das zonas de risco, em Luanda, um processo com relatos de oportunismo e trespasse ilegal das habitações, quer da parte da administração como dos próprios populares.

Denúncias públicas e actos de fiscalização comprovaram que existem zonas em que durante o cadastramento gente alheia ao processo consegue  infiltrar-se, e outros apoiados por agentes da administração envolvidos no cadastramento, conseguem  “inventar histórias e envolver terceiros” para obter duas ou mais casas.

No município do Kilamba Kiaxi, 195 famílias aguardam por realojamento há mais de catorze anos. As famílias foram instaladas em um acampamento improvisado na Avenida Pedro de Castro Van-Dúnem, entre a Igreja Josafath e a vala de drenagem.

Estas famílias, provenientes dos bairros Palanca, Golfe, Nova Vida, Neves Bendinha e Iraque estão “abandonadas” em tendas ou bairros de chapa, no Golfe2, desde 22 de Janeiro de 2007.

Segundo o coordenador do bairro, Carlos Queta, as famílias foram retiradas das suas casas com a promessa de serem realojadas no Zango, mas infelizmente já se passaram anos e não há uma resposta positiva dos vários governadores que passaram pelo Governo Provincial de Luanda (GPL).

Carlos Queta deu a conhecer que foram dirigidas inúmeras cartas, desde 2007, para os sucessivos governadores de Luanda, mas sem resposta positiva, o que fez com que muitos abandonassem as lonas para encontrar outros locais para viver.

O coordenador mostrou-se preocupado com as condições sociais em que vivem as famílias, em casas de chapas sem condições de saneamento básico, onde falta energia e água potável.

Os moradores acreditam que as casas já foram atribuídas pelo Governo, e que alguém, com astúcia, se tenha aproveitado da situação.

 “Até quando fazem o cadastramento existe candonga, imagine na distribuição”, lamentou um dos moradores das tendas.

A situação vivida pelas 195 famílias é recorrente, razão pela qual em determinadas situações as pessoas cadastradas em zonas de risco e retiradas do local regressam, preferindo permanecer na casa construída junto duma linha de água ou precária do que viver em uma tenda.

Em Viana, 126 famílias cadastradas vivem na Ilha Seca, no distrito urbano do Zango 4, há mais de 15 anos em casas de chapas de zinco, com menos de 2,5 metros de largura e dois de altura, construídas no meio de uma estrada com muito trânsito.

As famílias foram desalojadas na sequência de fortes chuvas que inundaram e destruíram as suas casas nos bairros do Jika (Alvalade), Vila Nova (imediações da Cadeia de Viana) e da Ilha do Cabo (Luanda).

Neste processo constatou-se igualmente que as verdadeiras famílias sinistradas da chuva não tiveram acesso às casas, mas alguns “intrusos” beneficiaram.

Os que não beneficiaram do processo de realojamento continuam na Ilha Seca, enfrentando vários problemas que vão desde a falta de saneamento básico, agravado com a prática de prostituição, alcoolismo, desemprego, violência doméstica e delinquência juvenil.

Manuel João, morador da zona, considerou “difícil” a vida na casa de chapa. “Aqui morremos muito, não passa seis meses sem morte, aqui é um cemitério dos vivos”, referiu.

Manuel chegou à zona chamada de “condomínio de Prata”, no Zango1, aos 15 anos. Hoje, tem mais de 25 e já tem família constituída.

Menezes Pedro, outro morador do local, já tem a própria família com dois filhos, nascidos no local, e ainda tem esperança de um dia ser retirado do local.

Entretanto, este ano a administração de Viana e empresas construtoras de projectos habitacionais juntaram-se para encontrar uma solução e em definitivo realojar as famílias necessitadas.

Prédio da Lagoa do Kinaxixi

Neste processo, os 120 moradores do prédio inacabado na Ingombota, com cerca de 20 pisos, que começou a ser construído em 1972  e não terminado na sequência da proclamação da independência, em 1975,  perspectivava-se a acomodação dos moradores em habitações T-2 e T-3 com condições de saneamento básico, energia eléctrica e água.

O processo mal conduzido foi marcado por casos de suborno e aproveitamento por parte de elementos envolvidos nas comissões de cadastramento de moradores, segundo um dos moradores.

Luís Jamba denúncia que até ao momento 21 famílias, que deviam ter beneficiado de casas no Zango, vivem em condições precárias, antes em tendas agora em casebres ou em casa de familiares, aguardando pelo realojamento.

Acrescentou que quatro famílias repartem duas casas, com promessas de lhes serem distribuídas outras duas casas, mas até ao momento nada acontece.

Refere-se a indícios de que elementos do cadastramento, fiscalização, administração e gabinetes técnicos ter-se-ão apoderado das habitações, ficando cada um com duas a três casas, para benefício próprio (venda e para terceiros).

Bairros da Favela e do Povoado  

Fontes entendidas no assunto afirmam que os incêndios ocorridos em 2010 e 2021, no bairro da Favela e do Povoado foram deliberadamente causados para “exigir” do Governo a atribuição de casas sociais nas zonas de realojamento.

Os conglomerados, maioritariamente habitados por antigos deslocados de guerra, eram construídos da mesma maneira, ou seja, casebres de chapa de zinco, madeira e papelão, que coincidentemente foram afectados por incêndios de grandes proporções, “obrigando” o GPL a atribuir casas a todos os sinistrados.

O incêndio na Favela, na comuna da Kinanga, município da Ingombota, ocorreu há mais de 10 anos, e  50 famílias vítimas foram transferidas para casas económicas no complexo residencial do Panguila, antes  Cacuaco, numa acção do GPL.

Com aproximamente duas mil famílias, o bairro de onde foram retiradas as famílias estendeu-se para a nova Marginal, próximo ao Mausoléu.

Em 2021, mil e 500 pessoas do Sector de Povoado, no distrito da Samba, município de Luanda, ficaram desalojadas depois da deflagração de um incêndio de grandes proporções que devastou a circunscrição.

O incêndio, que iniciou às 22h44 minutos foi extinto por volta das cinco horas da madrugada, tendo destruído 250 casebres, construídos numa área de 300 metros de comprimento e 200 de largura.

Como consequência do incêndio, 174 famílias, num número de 700 pessoas, na sua maioria crianças e mulheres, foram realojadas em Kaxixane, a 15 quilómetros da vila de Catete, município do Icolo e Bengo.

No local existe um jango comunitário para refeições, dois dormitórios para mulheres e crianças e outro para homens, uma escola e um posto de saúde.

As famílias estão instaladas provisoriamente no Centro de Serviços Rurais do Ministério da Família e Promoção da Mulher.

O coordenador da comissão de moradores, António Tomás, fez saber que está em curso um projecto de loteamento para construção dirigida com o apoio das autoridades com material de construção.

O realojamento e suas histórias  

Na maior parte dos processos de realojamento, os moradores acusam os membros das comissões de moradores e outros elementos dos Gabinetes Técnicos da administração de envolvimento nas falcatruas de entrega das casas.

Geralmente eles têm um “ponta de lança” na comissão de moradores que  regista um número superior ao existente, colocando nomes na lista de pessoas que não fazem parte do processo e acabam por receber um maior número de casas, disse Júlio António.

Domingas Caçala, tinha a casa, com vários anexos, junto da vala do Cariango/ Cazenga e recebeu a garantia dos técnicos, durante o processo de cadastramento e registo da casa, que receberia quatro casas.

“Recebi duas casas, ao invés das quatro que me haviam prometido. As casas são jeitosas, mas sinto que alguém me passou a perna”, desabafou a mulher.

Petra de Jesus lamenta o facto do processo iniciado às 8h ter terminado à uma da manhã, tudo porque os responsáveis do cadastramento “estranhamente” não se entendiam.

“Dirigiam-nos para o Zango IV e mandaram-nos para o III, postos no local, o responsável mandou-nos de volta para o IV. Brincadeira de mau gosto. Mas acho que aquilo foi propositado, para nos cansar”, desabafou.

Loyde Dinis referiu que naquele dia choveu e na altura “eles nem sabiam onde nos colocar porque só uns tinham as guias e outros nem guia ou notificações tinham consigo. Aquilo foi uma bandalha”.

Sempre que há realojamento as histórias são as mesmas, prosseguiu a residente no Zango III, sugerindo que as autoridades instaurem um inquérito, com vista a clarificação do problema.

Em 2021, o projecto habitacional Mayé Mayé, no distrito do Sequele, em Cacuaco, com casas de tipologia T2 e T3,  recebeu mais de mil  famílias da encosta da Boavista, no Sambizanga.

À semelhança dos outros projectos, também foram detectadas algumas “vigarices”. Ricardo Manuel, que beneficiou de uma T3, diz que no Mayé Mayé  há negócios escuros.

“Havia o argumento de que muitos moradores não constavam nas listas, outros receberam mais de quatro casas e uns tantos foram inseridos no processo de realojamento”, referiu.

“Aqui estão a acontecer coisas da máfia”, acrescenta um outro cidadão, que aponta o facto de ser possível ver o anúncio de venda de casas do Mayé Mayé no Facebook e outras plataformas digitais.

Entretanto, o mesmo cidadão admite que determinadas pessoas que beneficiaram das casas no projecto vendem as moradias e retornam para as zonas de risco, com o objectivo de conseguir outra.

Realojamento de sucesso: prédios Cuca e Treme Treme  

O ex-prédio Cuca, no Kíaxixi, apresentava fissuras com risco de desabar e especialistas em engenharia afirmaram que as obras realizadas nas proximidades aceleraram o seu processo de degradação.

Rapidamente, em 2010, os 170 moradores foram alojados num edifício na Vida Pacifica, Zango0, com melhores condições e segurança.

Já os 76 moradores do prédio Treme Treme, um edifício com condições de risco de desabamento, foram alojados em segurança nas Centralidades de 44 (Icolo e Bengo) e Kalawenda, Cazenga, também em melhores condições.

Em 2021, foi reiniciado o processo do bairro Mayé Mayé, distrito do Sequele, município do Cacuaco, onde estão em construção mais de mil casas,  prevendo alojar mais de duas mil famílias.

O processo de realojamento beneficiou ainda 16 famílias que habitavam no velho edifício Infante Dom Henriques, no Baleizão, na Ingombota, instalando-as no Zango, e 68 que viviam junto da Lagoa do Tio Quimbundo e dos Picos, bem como outras 14 da Casa de Bolinhas foram realojadas na centralidade do Kalawenda, no Cazenga.





Fotos em destaque

SODIAM arrecada USD 17 milhões em leilão de diamantes

SODIAM arrecada USD 17 milhões em leilão de diamantes

Sábado, 20 Abril De 2024   12h56

Fazenda colhe mil toneladas de semente de milho melhorada na Huíla

Fazenda colhe mil toneladas de semente de milho melhorada na Huíla

Sábado, 20 Abril De 2024   12h48

Huambo com 591 áreas livres da contaminação de minas

Huambo com 591 áreas livres da contaminação de minas

Sábado, 20 Abril De 2024   12h44

Cunene com 44 monumentos e sítios históricos por classificar

Cunene com 44 monumentos e sítios históricos por classificar

Sábado, 20 Abril De 2024   12h41

Comuna do Terreiro (Cuanza-Norte) conta com orçamento próprio

Comuna do Terreiro (Cuanza-Norte) conta com orçamento próprio

Sábado, 20 Abril De 2024   12h23

Exploração ilegal de madeira Mussivi considerada “muito crítica”

Exploração ilegal de madeira Mussivi considerada “muito crítica”

Sábado, 20 Abril De 2024   12h19

Hospital de Cabinda realiza mais de três mil cirurgias de média e alta complexidade

Hospital de Cabinda realiza mais de três mil cirurgias de média e alta complexidade

Sábado, 20 Abril De 2024   12h16

Camacupa celebra 55 anos focado no desenvolvimento socioeconómico

Camacupa celebra 55 anos focado no desenvolvimento socioeconómico

Sábado, 20 Abril De 2024   12h10

Projecto "MOSAP 3" forma extensionistas para escolas de campo em todo país

Projecto "MOSAP 3" forma extensionistas para escolas de campo em todo país

Sábado, 20 Abril De 2024   12h05

Comunidade do Lifune (Bengo) beneficia de biofiltros

Comunidade do Lifune (Bengo) beneficia de biofiltros

Sábado, 20 Abril De 2024   11h58


+